terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Os Trilhos da Vida

Os Trilhos da Vida




Otávio tinha acabado de fechar um grande negocio em Canoas, cidade do Rio Grande Do Sul. Eram 17 horas e o mesmo degustava um bom café com croissant em uma padaria. Era um homem de sucesso nos negócios, um negociador nato.  Aos 33 anos era o mais bem sucedido administrador de uma fábrica de sapatos Paulista. Tinha uma eficiência comercial formidável,  acostumado a participar de grandes jantares, almoços, eventos e encontros de executivos. Casado com Maria, de 28 anos, já possuía dois filhos:  o Pedrinho com três anos e a Mariana de dois.  Os compromissos e a carreira eram prioridade em sua vida e, com isso, era um pai e esposo ausente de casa.  Sempre de terno, cabelo era impecável, típico nos homens de negócios. No entanto, percebia-se algum vazio em Otávio,  apesar de sua impecável educação no meio em que transitava. Era um homem distante, sem vigor, uma linguagem corporal quase morta; faltava algo em seus olhos negros. Maria tinha se conformado com aquela vida de esposa abandonada pelos compromissos, passava o dia cuidando da casa, dos filhos e vendo televisão, principalmente programas de fofoca. Algumas vezes ela costurava, ato incomum para uma senhora de sua classe social, mas isso,estranhamente, confortava seu coração. 
A padaria em que Otávio  tomava café ficava em frente a linha do metro; o barulho nos trilhos e as pessoas dentro daqueles vagões o transportavam a algum lugar. Pediu outro café sorrindo comercialmente, pensou em abrir o Laptop, mas desistiu; até desligou o celular. A garçonete lhe perguntou se queria mais alguma coisa e, com sua habitual educação pediu outro café. Nem percebeu e já eram 20 horas, seu vôo só sairia no dia seguinte ás 7h da manhã. Ainda lhe restava uma longa noite no hotel. Pagou a conta do café e começou a andar sozinho pela calçada da BR-110, levando sua pasta e seu Laptop,  seguindo a linha do trem. Toda vez que o trem passava, olhava para todos os vagões e observava as pessoas que nele transitavam; viajava no barulho dos trilhos. Já eram 21 horas e estava na frente de um prostíbulo. Há muitos anos não entrava em um.  Como homem de negócios e poderoso financeiramente, tinha fácil acesso as mulheres. Entrou! Lá dentro a maioria das meninas tinham entre 18 e 22 anos, todas eram bonitas e belas de corpo, nenhuma lhe chamava a atenção, queria apenas se distrair e beber um pouco. Sempre alguma aparecia e lhe oferecia companhia, ele agradecia e com ela apenas escutava música de péssima qualidade: Sertanejos, forró eletrônico, etc.
Certa hora uma moça jovem lhe chamou atenção:branquinha como um floco de neve, cabelo bem cuidado, seu corpo era magro e naturalmente bonito. Era espontânea, fumava e sorria com as amigas. Otávio se tornou tímido naquele momento, mesmo assim chamou a moça para conversar. Ela sentou e automaticamente pediu uma dose de Wisk, e apontou para ele, como sendo o pagador da bebida. Ele não sabia o que queria conversar, mas queria saber algo sobre ela. A moça o tratava como um saco de dinheiro, apenas aguardando uma boa proposta. Vendo que ele não tinha assunto e que o rapaz não lhe renderia mais que a dose de Wisk ela se levantou e começou dançar. Seu corpo se movimentava com uma energia impressionante, em uma linguagem sexual; a moça era livre e desimpedida. Ele simplesmente não conseguia tirar os olhos dela e lhe convidou a tomar outra dose. E por fim tomou coragem:
- Como é o seu nome?
- Eduarda.

- Quanto é o programa?
Ela friamente respondeu:
- 200 reais mais o aluguel do quarto.
- Mas eu só quero conversar, quando você cobra para conversar meia hora comigo?
- Querido, meu tempo é dinheiro, conversando ou fazendo o que você quiser, uma hora são 200 reais.
Otávio se sentiu estranho, se percebeu pela primeira vez na  vida um saco de dinheiro.
Ele aceitou:
- Tudo bem, 200 reais para conversar.
Quando chegaram no quarto ela imediatamente acendeu um cigarro, ele pediu que apagasse, mas ela se negou:
- Você não colocou no contrato: não fumar.
Otávio observou o quarto e percebeu que havia uma janela que  dava de frente para a linha do trem;  esperou que ele passasse para escutar o barulho dos trilhos. Ela se interessou por aquilo e perguntou:
- O que é que você está fazendo?
- Não sei por que, mas gosto de escutar o barulho dos trilhos.
- Sério? Por quê? Que estranho.
- Queria ter a resposta, mas não tenho, apenas sei que me faz bem. Menina, onde estão seus pais nesse momento?
- Minha mãe está em casa, eu digo para ela que faço eventos. No fundo ela sabe da verdade, mas faz vista grossa. Meu pai eu não sei, como a minha mãe mesmo diz, era um homem como você, de negócios, “comeu ela” e desapareceu no mundo. Minha chegada ao mundo foi muito triste, não quero falar disso, minha mãe nunca superou ser mãe solteira desse jeito; minha família apesar de pobre é muito tradicional e rígida.
Eduarda percebeu que Otávio tinha real interesse em sua vida, então continuou:
- Até os sete anos minha mãe chorava quase todos os dias, me levava chorando para escola, e pela noite reclamava de tudo e de todos, de como o mundo foi injusto com ela, depois do meu nascimento nunca mais se relacionou com outro homem, é uma mulher triste.
Otávio estava escutando tudo, a conversa mexia com ele, de certa forma o tocava. Os olhos de Eduarda expressavam vontade de ser feliz, apesar de distantes também. Ela se aproximou de Otávio e lhe deu um beijo na boca, tratou ele com um carinho que ela nunca tivera por nenhum outro homem, ele por sua vez se desligou de tudo: De sua esposa que tinha se moldado a aquela vida e seus compromissos. Ficou anestesiado com aquele beijo. Tratou-a como mulher, como sua primeira namorada. Há muitos anos suas qualidades de amante estavam adormecidas e naquele momento afloravam com uma violência estúpida, a cada beijo um homem sensível ia renascendo das cinzas. Já Eduarda, sentia pela primeira vez o gosto da vida, percebia a bondade dos homens. As coisas naquele quarto foram evoluindo naturalmente, ambos foram mergulhando naquele momento. O que estava acontecendo naquele quarto era muito mais que um encontro de dois corpos, distante de um executivo e uma prostituta, eram simplesmente duas almas, uma precisava da outra, e juntas percebiam o gosto da vida.
A hora tinha passado, ele queria continuar com ela, ela também o queria. Na boate continuaram bebendo e dançavam. Eduarda se sentia como uma menina amada, Otávio se sentia como um adolescente leve espontâneo, o homem que fora um dia. Mesmo que desajeitado dançava sertanejo, já ela poderosa com o corpo, tomava conta da situação. Nem perceberam e já eram cinco e meia da manhã. Ele tinha que pegar o voo e ela o trem. Otávio com sua mala a acompanhou até a estação, quando o transporte chegou ela se foi, o barulho dos trilhos dali de perto era contagiante e alto. Naquele vagão ela ia embora, ele queria que aqueles trilhos nunca parassem de cantar. Não pegou seu telefone e sabia que Eduarda era um nome falso.
Eduarda dentro do trem tirou uma santinha de dentro do bolso, seu tio tinha dado de presente quando tinha quatro anos, era o último ato de bondade que se lembrava de um homem. Apertou bem a santinha, sentiu um amor imenso pela sua mãe e por si mesma , decidiu que a partir daquele dia iria dar outro rumo a sua vida, só queria estar com aquela que lhe trouxe ao mundo e lhe agradecer pela primeira vez por fazer parte dele. Já ele, chorava na estação de trem como uma criança, se lembrava da lua de mel com sua esposa e se perguntava no que havia se convertido: Um saco de dinheiro e distante da alma e infeliz. Ele só queria ir para casa, abraçar seus filhos, sua esposa e começar uma nova vida,  ainda  estava em tempo.  Algo terno e bonito tocou em  ambos corações naquela noite:



domingo, 2 de dezembro de 2012

Café, Pão e Tucuman


Falta pouco mais de uma semana para ir embora de Manaus; pelo menos por essa obra será mais que o suficiente. Foi então que liguei para Raquel, mas quem atendeu foi outra pessoa e me disse que ela estava trabalhando. Tomei a iniciativa, vou lá. Me arrumei todo, coloquei uma blusa e  uma calça combinando e bem bonitas; olhei-me no espelho, ciente de que estava em forma. Me arrumei para Raquel e fui lá como havia decidido.  Vi-a de longe, quando cheguei; nesse momento ela estava em seu horário de laser, lanchando. Ela mesma apontou a mesa para que sua  irmã me atendesse e quando me reconheceu,  falou comigo. Fui bem discreto, sentei-me longe pois não queria agredir seu ambiente de trabalho.  Nunca tinha sido tão educado e tão compreensivo em nenhuma outra visita. Seu chefe tinha ciúmes de mim , desde que comecei a dar em cima dela e por isso procurei ser o mais discreto possível. O Café onde ela trabalha fica na praça do teatro Amazonas. Nessa época de fim de ano ela é toda embelezada com lindos enfeites de Natal. Tem um ambiente alegre e pacificador que nos contamina ,pois é um lugar  que aceita todas as pessoas igualmente:  mães solteiras com suas crias, casais com filhos, recém apaixonados, grupos de crianças... O som emitido lembra o horário de recreio de uma escola, onde só se escutam gritos de criança. Foi nesse café, nessa praça, em um intervalo de trabalho, que a conheci. Uma índia de 18 anos, com cabelos longos até a cintura, sem nenhuma maquiagem de uma beleza perfeita; seu corpo, uma escultura. O movimento de seus cabelos , ao andar, exalava cheiro de natureza, da força invisível que existe nessa terra tão linda. Sempre gostei de tomar Café com torradas e Tucuman. Nesse dia não fiz diferente e fiz meu pedido. Me perguntei: o que faço aqui? Há mais de um mês não nos vemos e o que vivemos foi apenas uma química intensa, um único encontro. O dia de trabalho era bem movimentado para ela que se movia com uma energia impressionante; era sempre  simpática e agradável com todos os clientes. Me desliguei do meu mundo e comecei a admirar aquela mulher, na verdade aquela menina de 18 anos e fiquei por minutos extasiado; para mim só havia espaço para aquela energia que sentia dentro de mim. Pela primeira vez pude compreender quem era aquela menina; uma mulher forte, que tirava energia não sei de onde para vencer. Lembrei de seu sonho de ser advogada;  do dinheiro que ganhava juntava 200 reais por mês e quando entrasse na faculdade, mesmo trabalhando, já teria um semestre pago. Ela admirava muito seu pai, que trabalhava com movimentação de carga no porto e nunca havia deixado faltar nada em casa. Lembrei de sua filha de três anos - por sorte a família lhe ajudava muito com as despesas...  voltando à realidade, via seus movimentos firmes e atraentes no trabalho. Quantas pessoas enfrentam a vida com tanta energia e tanto vigor? Lembrei de vários colegas de trabalho e percebi que aquela menina tinha muito a nos ensinar, a todos nós.
- Quer mais alguma coisa?
Quase acordei de um susto, era Raquel.
- Sim querida, outro Café por favor.
As pessoas se cruzam nesse universo conspirador, hora para o bem hora para o mal. Ali estava na minha frente uma mulher que marcaria a minha vida para sempre. Como a beleza pode camuflar uma mulher tão especial? 
Quando pedi a conta quem veio foi sua irmã. Deixei um bilhete para Raquel e pedi que ela o entregasse, dizia: Raquel, estou indo de vez de Manaus. Vim aqui para te ver pela última vez, e desejo muita paz e saúde para você e  sua filha.
Escrevi naquele papel meus sinceros sentimentos. E seguimos na vida cada um para um lado,sempre procurando vencer e ser feliz.