segunda-feira, 17 de março de 2014

O Reino

O Reino,
 


 Havia uma pequena Vila no meio do tempo em algum lugar da terra. Nela as sementes brotavam e o sol nascia, a música tocava e a paz reinava. O verde prevalecia, muitos a chamam ao longo dos tempos de “utopia”. Todos os conflitos er...am resolvidos pacificamente e após a resolução dos mesmos nunca ficava rancor entre as pessoas. Caso lhe faltasse algo a alguém, todos ajudavam. O amor entre as pessoas, era próximo ao amor que existe entre as famílias. O problema de qualquer ser humano era tratado pela sociedade equivalente ao amor de uma mãe a um filho. Todos os fins de tarde a orquestra local tocava e todos paravam para assistir. Haviam os grupos de dança, os espectadores, os que preparavam o lanche e o café de final de tarde. A saúde mental das pessoas era tão grande que nunca se soube de alguém que houvesse falecido de problemas de saúde. Os conhecimentos que existiam eram todos focados em filosofia, amor e o suficiente para sobreviver. Os mais velhos eram os sábios que transferiam todos os segredos da vida e da paz. Aquilo era uma espécie de caos em que as pessoas se entendiam... os mais velhos escreviam e registravam tudo.
Certo dia, não se sabe exatamente de onde, na verdade ninguém sabe exatamente se ele existe... mas ficou evidente depois desse dia, que ele tem efeito na cabeça das pessoas... uns tambores começaram a tocar... um som confuso, que se confundia que a verdadeira felicidade. Ele veio invadindo aos poucos a vila, certas pessoas rapidamente se sintonizaram com esse novo som... esse novo modo de ver as coisas, e por ele ficaram hipnotizadas. Alguns de loucos que ficaram, queimaram tudo o que se tinha escrito pelos sábios. Tomaram tambores e começaram a espalhar o mesmo som... e assim foi se espalhando pelo mundo...e uma verdadeira confusão entre o que os sábios tinha escrito e criado na vila, versus o som dos tambores... se espalhou pela terra e pela humanidade. Nessa confusão de sons vivem as pessoas até os tempos de hoje... ela se dedica a chegar onde ninguém espera. Alguns seres conseguem viajar até utopia, alguns artistas, outros talvez dotados de sabedoria. Artistas, sábios... coletam informações de utopia e nos trazem sentido... a se dedicar e abafar o barulho dos tambores em nossos ouvidos... a tentar mostrar a pessoas hipnotizadas por ele... o lado bom e gostoso da vida. Como diziam os gregos, Hades Deus dos mundos subterraneos... era o Deus mais rico que existia, complicado até hoje é compreender essa real riqueza da vida.
Escrito por Daniel Vidigal

terça-feira, 4 de março de 2014

A encomenda

A encomenda,


 

 O enxadrista andava pelas ruas arborizadas da Avenida Blasco Ibanes em Valencia Espanha no inverno de 1972, não havia outro assunto que lhe ocupasse a mente do que a encomenda. O tempo era seco... fazia aproximadamente 5° C e lhe tinham indicado um dos melhores artesão da cidade. Este último vivia mergulhado em uma verdadeira bagunça, seu ateliê era intransitável, o mesmo possuía a s...impatia familiar encontrada no cidadão valenciano. Os dois eram rapazes novos, o enxadrista possuía 30 anos e o artesão 29... mas ambos eram muito reconhecidos no que faziam. Quando encontrou o ateliê se deparou com diversas peças de arte na frente, tais como móveis, estátuas, casinhas de músicas, bonecas, bonecos, etc. O enxadrista observou cuidadosamente tudo, cada mínimo detalhe. No momento em que entrou o artesão estava construindo um lustre de cera:
- Buenas tardes, hace frio ( Boa tarde, faz frio)- cumprimentou o enxadrista.
Informar a sensação climática é uma forma de demonstrar interesse em uma boa conversa na Espanha.
- Sí, sí... mucho frio. Dime que quieres? ( Sim, sim... muito frio, o que quer)
- Eu gostaria de encomendar um xadrez, mas não qualquer xadrez, um Xadrez especial para colocar na varanda da minha casa.
- Tenho vários já feitos, veja.
O enxadrista olhou cuidadosamente todas as amostras, mas obviamente não se interessou por nenhuma. E explicou:
- Quero um xadrez onde o rei seja o rei, a rainha a rainha, os peões os peões, os cavalos os cavalos... quero que ele exale o sentido do jogo, a tensão, a emoção, por se só. Minha vida é jogar Xadrez, mas ninguém nunca fez um que me trouxesse sentido.
Os olhos do enxadrista demonstravam uma serenidade muito grande no que pedia, eram firmes, realizadores... falava com as mãos no bolso de sua jaqueta. O artesão encarou aqueles olhos com muito respeito, pois realizar o desejo de seus clientes e fazer arte era o que lhe fazia vibrar.
- Pues muy bién, lo haré. ( Muito bem, vou fazer).
- Quanto vai me custar?
- Duas mil pesetas.
- Pago quando estiver pronto. Enquanto tempo posso voltar?
- Para grandes artes não há tempo nem compromissos.
- Correto. Quando estiver pronto venho buscar.
O enxadrista voltou a andar pelas ruas frias da cidade de Valencia. A noite estava próxima... outro campeonato se aproximava e iria precisar de muita concentração para jogar. Parou em um Café, e pediu um Capuchino com Wisk. A bebida o fez relaxar, o café o deixou aceso. Foi a um orelhão e ligou para a sua esposa. Lhe falou da encomenda, do campeonato, do frio... e que já estava cansado, precisava ir dormir.
O artesão assumiu um tipo de compromisso que nem ele mesmo podia explicar, lembrava-se daqueles olhos, sua mulher lhe perguntou porque estava tão tenso, lhe falou da encomenda, nunca seu ego de artista tinha sido tão chaqualhado. Colocou mãos a obra e em dois meses o xadrez estava pronto... o tabuleiro por se só era belo, havia nele uma mistura de cores suave na qual a lógica do mesmo se confundia. Era apoiado sobre uma mesa rústica com gavetas para guardar as peças... a rainha era uma obra de arte, o rei também, só o custo do material tinha sido muito mais que duas mil pesetas, mas ele queria satisfazer o cliente. Havia algo de inexplicável naquele Xadrez, era uma obra de arte. Um ano se passou e o enxadrista não voltou para buscar a sua encomenda. Várias pessoas quiseram comprar mas o artesão nunca vendia. Anos e anos se passaram e o Xadrez continuou no mesmo local da loja.
Não era qualquer pessoa que se interessava pelo xadrez, apenas os observadores. O enxadrista sempre ficava de ir buscar a encomenda, mas o ranking e os campeonatos sempre lhe ocupavam a mente, mesmo quando ia a Valencia não tinha tempo. O artesão simplesmente esqueceu da energia que empregou naquela encomenda. Vinte anos depois o mesmo já valia cem vezes o valor inicial, mas fiel ao seu idealizador ele nunca foi vendido. O tempo, a humidade, o envelhecimento o deixou ainda mais belo.
Vinte anos depois o enxadrista decidiu não jogar mais, escolheu uma nova profissão: professor de matemática e xadrez. Com os filhos bem criados, esposa realizada percebeu que competir não lhe trazia mais satisfação... agora sentia prazer em compartilhar seus conhecimentos. O artesão continuava sempre entusiasmado com novos trabalhos, a bagunça do seu ateliê tinha piorado, mas qualidade da arte só aumentava. O enxadrista pensou: será? Estava casualmente em Valencia, foi até a Blasco Ibanes no local do ateliê e se surpreendeu por ele ainda existir no mesmo lugar. Bateu na porta e entrou:
- Boa tarde, faz frio.
- Sim, sim... muito frio. O que quer?
- Fiz um encomenda a muitos anos atrás, um xadrez. Mas imagino que já o deva ter vendido.
Naquele momento ambos perceberam a brevidade do tempo. Se olharam profundamente, não entendiam o motivo exato deles terem se cruzado, mas o Xadrez trazia algo de coerente para os dois. O artesão entendeu por fim o sentido empregado naquele Xadrez... foi até a vitrine da loja e pegou o Xadrez:
- Tome, é para você. Se tivesse vendido para outra pessoa não seria arte.
- Obrigado... se você o estivesse vendido para outra pessoa, isso de certa forma me daria um vazio. Vou deixa-lo na minha varanda, como sempre quis, ainda moro na mesma casa. Quanto custa?
- O acordado, duas mil pesetas.
Tomou novamente seu rumo. Como a vinte anos atrás tomou uma dose de wisk com café... esperou o frio passar. Pensou... como é bonito.

Foto: http://www.ioffer.com/img/item/205/557/900/nvvY.jpg