Tinha quatro anos e as férias juninas estavam anunciadas,
uma vontade imensa de estar na casa da minha Vó materna tomou conta de mim. Não
sei se é costume de filhos do meio, mas ali me sentia o dono do trono. Ela
preparava uma cama bem gostosa, me levava para todos os lugares e fazia todas
as minhas vontades. Após muita insistência meus pais me deixaram passar as
férias na casa da Dona Circe, na época com 55 anos. Lembro-me de belos passeios
na orla do Rio, ficávamos no Leme, ela adorava ir comigo ver o por do sol e me
expor para suas amigas babonas, eu adorava tudo. Algo interessante começou a me
chamar atenção, eram homens gigantes e voadores que andavam de patins. Eu
adorava me aproximar da ciclovia para vê-los de perto, a velhinha me puxava
pelo braço e me dava uma bronca, mas a sensação de estar ali compensava a
desobediência, valia a pena tomar um puxão de orelha. Então comecei a insistir para ela me dar uns
patins. Insisti muito, até que um belo dia pegamos o carro e fomos comprar um.
Lembro-me até hoje de uns patins de plástico com encaixe para tênis,
experimentei-os na loja e já queria sair voando dali mesmo, mas a dona Circe me
fez esperar até o dia seguinte.
Quase não dormi de tanta ansiedade, deixei eles
ao lado da minha cama, algumas vezes acordava e verificava que de fato eles eram
do tamanho do meu pé. Em fim o dia amanheceu, era domingo, o sol estava lindo.
O Rio de Janeiro sempre foi lindo. As ruas em Copacabana eram fechadas para
ciclistas, corredores, patinadores, etc. Lembro-me das minhas mãos sendo
levadas pelos braços fortes da minha Vó, eu sonhava e observa homens gigantes
andando de patins, tinha a sensação de que eram grandes aviões dando rasantes
ao meu lado. As ruas estavam cheias, lotadas de famílias, crianças e esportistas.
A hora da verdade tinha chegado, com muito cuidado ela me ajudou a colocá-los
nos pés. E quando fiquei em pé sozinho pela primeira vez, dei de bunda no chão.
Nesse momento as bicicletas se tornaram gigantes, os homens voadores se
tornaram inalcançáveis e um grande sentimento de frustração tomou conta de mim.
Levantei-me de novo, tornei a cair. As Bicicletas se tornavam mais ameaçadoras.
Esse processo se repetiu enumeras vezes, a velinha tentava me ajudar, mas sem
sucesso. Uma hora ela perdeu a paciência e queria ir embora.
- Não, lhe respondi.
Continuei tentando até que uma hora consegui ficar em pé, ela
queria me segurar, mas eu dispensava as suas mãos, então comecei a patinar
sozinho. Empolgando-se com o meu sucesso ela me acompanhava andando para trás, um
sentimento de potência inundou meu coração e os olhos verdes da Dona Circe me
convidavam a continuar. Apertei bem as minhas mãozinhas, sorria sem parar... Comecei
a voar como os homens gigantes, as bicicletas não me assustavam mais. Patinava
na mesma velocidade e no mesmo embalo que todos, e a senhora aos 55 anos,
conseguia nos acompanhar andando para trás. Queria que aquele momento durasse
para sempre. Uma hora ela cansou e disse:
- Vamos embora.
-Não, lhe respondi.
De longe eu avistava um posto, era azul e grande, eu queria
chegar lá.
- Me solta, eu dizia.
Ela percebeu que não tinha jeito.
- Estou Voando, afirmei sorrindo e com os olhos brilhando.
Então ela começou a fazer parte do momento. Seus olhos
verdes tornaram a me convidar e ela mesma começou a apontar para o posto me incentivando.
Batia palmas andando para trás, mesmo assim ela era capaz de acompanhar a mim e
a todos os patinadores voadores.
Naqueles olhos verdes existiam o equilíbrio, a coragem que um pai tem
que dar ao filho para ganhar o mundo e todo o amor e carinho de uma mãe.
Cheguei ao posto. Quando chegamos ao apartamento ela me deu um banho, almoçamos,
coloquei o patins novamente ao lado da cama e dormi como um anjo.
Professora Circe