domingo, 17 de agosto de 2014

Relato Completo: Pião de Trecho

Este é o pequeno, mas reflexivo, relato de Pedro, menino de origem pobre do reconcavo  bahiano que cai nas garras eufóricas do trecho de obras. As principais pesquisas na internet a respeito do tema, sempre convergem para essa obra publicada anteriormente por capítulos em "Buscando a Paz Interna". O principal intuito da obra é provocar reflexão naqueles que mergulham nesse estilo de vida, pois o mesmo, deve ser uma opção e não um enclausuramento.












Pião de Trecho














Daniel Vidigal Duarte Souza
Foto: http://www.tribunafeirense.com.br



CAPITULO 1

                                                                                                                     Fevereiro de 1992

Domingo a tarde era dia de jogo entre os bairros da cidade de Cachoeira no interior da Bahia. Estes, aconteciam em um campo na beira do rio Paraguaçu que ficava nas propriedades da Família Nascimento. A origem da família era um casal de escravos que foi morar ali em 1872 e aos poucos, filhos, amigos, primos e conhecidos foram chegando e ocupando aquelas terras ao lado do rio.
O time da família Nascimento estava jogando naquele dia com outro time formado por por amigos que gostavam de futebol e se intitulavam o time da praça. A faixa etária dos garotos variava entre 16 a 20 anos, enquanto eles se divertiam as famílias e as namoradas torciam do lado de fora e a rivalidade entre os dois times era grande. No time da Família nascimento havia um grande entrosamento entre três primos: Israel (17 anos), Jeremias (21) e Pedro (18). O Juiz era o mesmo há muitos anos, seu nome era João Manoel, mas como sempre apitava com cara de preocupado seu apelido era Cara de Jaca, e das laterais as pessoas gritavam:
- Deixe de roubar Cara de Jaca. Ladrão... ladrão... descarado. Há há ha o cara de jaca ficou doido. Cara de jaca tomou foi muito leite de cabra estragado quando era pequeno.
Aos 20 minutos do segundo tempo (a partida durava dois tempos de 25 minutos) o jogo estava um a um. Do nada uma bola sobrou para Pedro na entrada da área, ele friamente dominou e chutou no cantinho. Gol! Os três primos se abraçaram e comemoraram bastante. Carine a namorada do Pedro vibrou muito, esta estava na flor da idade com 17 anos e era uma linda mulata que exalava o frescor da vida, estava apaixonada e vivia seu primeiro amor. Israel não tinha namorada naquela época, ele curtia estar com uma e outra. Jeremias já estava noivo de Luíza e já existia um bebê a caminho, seu pai tinha lhe dado um cantinho de terreno na beira do rio para que ali ele pudesse construir sua casa próxima a família.
Quando o jogo acabou todos correram para o churrasco e as duas torcidas viraram uma só, ali as famílias conversavam bastante dos diversos e simples assuntos da vida. E a tarde foi chegando ao seu fim, o sol foi se pondo, a cervejinha bem gelada não acabava. Alguns homens iam ficando bêbados, outros tomavam uns puxões de orelha de suas mulheres e tinham de ir cedo para casa...e o sol foi raiando sobre o rio com a linda vista da pedra do cavalo. Pedro foi para casa tomar banho para mais tarde se encontrar com Carine, ele tinha uma bicicleta de marca barra circular, o mesmo colocou Carine na garupa para apreciar o rio durante a noite, eles foram ganhando a floresta, a lua, os beijos foram evoluindo, o vestido que ela usava era sedutor, o short que ele usava era escancarado, para eles a noite não tinha limites.  
No dia seguinte a vida continuava e existia um lado duro e impiedoso na realidade dessas pessoas. Seu Samuel, pai de Pedrinho, ganhava a vida criando galinhas e vendendo sucos e ovos na cidade. O sol não tinha pena e cada dia vencido era motivo de muito orgulho para Samuel. Sua esposa se chamava Laurenice, e além de Pedro eles tinham tido a caçula Juliana. Pedro e Juliana iam a escola por conselho do pai, ele lhes recomendava uma vida diferente daquela. Pedro pedalava todos os dias 12 km para ir e vir carregando sua irmã. Dona Laurenice passava o dia cuidando da casa, da comida, das roupas...  era uma mãe muito carinhosa. Samuel todos os dias a noite contava antigas histórias dos tempos de escravidão, essas eram passadas de pai para filho e certo rancor pela burguesia da cidade não morria nunca, o céu era limpo e estrelado. O pai de Jeremias e Israel tinha uma barraquinha na feira da cidade, Seu Mariano tinha uma condição de vida um pouco melhor, ele comprava mercadorias do Paraguai para revender em uma barraquinha na feira da cidade: carteiras, boné, óculos, relógio, blusas, bermudas, pochete, etc. 
No sitio da Família nascimento habitavam aproximadamente 200 pessoas distribuídas entre 12 familias, todos de certa forma eram primos e parentes. Ali existia uma união muito grande e ao mesmo tempo um número de picuinhas insuportáveis. Mesmo com as picuinhas, quando alguém tinha um problema a comoção era geral e todos se uniam para ajudar quem estava precisando.














CAPITULO 2

                                                                                                                      Fábrica de Papel

O anuncio da construção de uma fábrica de papel foi feito na cidade. Uma grande confusão de ideias tomou conta de todos, alguns diziam que a fábrica era o fim, para outros marcava a chegada do desenvolvimento. Israel, Jeremias e Pedro passaram por perto para se interar do assunto, no começo pouco se interessaram. Mas a medida que a construção foi evoluindo algumas pessoas que nela trabalhavam começaram a comprar bicicletas bonitas, motos a prestação, televisão, vídeo cassete, etc. Conseguir emprego na construção da fábrica foi se tornando um sonho para todos os jovens da cidade. Uma bela manhã os três primos decidiram ir a procura de emprego, lá foram de bermuda, havaianas e boné. Para eles seria mais divertido chegar lá andando e desse jeito foram. No caminho iam se fazendo brincadeiras, e diziam:
- Esses emprego é tudo é nosso.
Iam como se fossem os donos do mundo, quando chegaram perto avistaram de longe um parque de equipamentos e apostaram corrida até o ponto. Para surpresa de todos lá havia grande número de homens aguardando que alguém chegasse ao lado de fora para pedir uma oportunidade de emprego. Aquilo de certa forma foi um pouco chocante para eles, pois havia muitos pais de família conhecidos implorando para aquelas pessoas que passavam de longe. Ali passaram o dia e nada aconteceu. Pouco se importaram e na volta decidiram tomar banho no rio, havia uma grande arvore na beira que servia de trampolim para os garotos brincarem. Mal tinham percebido e já era noite, era hora de retornar a casa tomar um café e dormir.
Dois dias depois Carine incentivou Pedro a ir lá novamente. Mas dessa vez sem boné, de calça e pegando carona de moto com o vizinho. Pedro foi sozinho sem avisar nada aos primos. Ele chegou bem mais cedo com os olhares compenetrados no objetivo. A medida que o dia ia evoluindo as pessoas iam embora, ele estava determinado e ali mesmo ficou. Um sentimento de raiva ia tomando conta por ninguém ter ido falar com ele. Já eram sete horas da noite e apenas o engenheiro da obra permanecia no canteiro e o garoto não queria sair dali sem falar com ninguém. Próximo às oito horas o engenheiro saia do canteiro rumo a sua pousada quando observou aquele garoto ali agachado olhando para ele.
- Boa noite, o que faz aí?
- Eu quero emprego.
- Como é seu nome?
- Pedro.
-O meu é Aluízio, vamos te dou carona.
O engenheiro deixou Pedro próximo a sua casa e a única frase que pronunciou foi:
- Esteja aqui amanhã as 7 horas que iremos a obra.

Então Pedro foi a casa de Carine e lhe contou o ocorrido. Ela quase que não acreditava de tanta emoção e os dois quase que não dormiram de tanta ansiedade. No horário marcado ele compareceu. Chegando dentro da obra, o ambiente era sujo e agressivo, a estrutura era precária e as pessoas se aglomeravam em containers. O Engenheiro Aluízio mandou chamar sua secretária e lhe disse:
- Da região, como fazemos para contratar ele como ajudante?
- Ele pode começar a trabalhar hoje, sábado o mandamos ao médico e depois assinamos a carteira.
- Ótimo, mande chamar o encarregado das bases, por favor.
Otamar o encarregado entrou no container e deu bom dia. Este era um homem de seus cinquenta anos, mas aparência era de 60, ele sorriu de um jeito alegre, malicioso e desconfiado ao mesmo tempo. E se pronunciou:
- O que é que tá precisando Engenheiro?
- Seu novo ajudante, ele é da região. Quer trabalhar.
- Muito bom, muito bom. O menino quer trabalhar né? - E sorriu avaliando Pedro.
Pedro estava tímido, desconfiado e empolgado. As emoções que passavam pelo garoto eram bem confusas.
- Quanto vou ganhar?
- 522 mil cruzados por mês-  se pronunciou Aluízio.
Nesse momento os olhos de Pedro se encheram de emoção, pois seu pai com toda experiência que tinha na vida quando tirava muito dinheiro eram 400 mil cruzados no mês. Pedro saiu com o encarregado das bases rumo ao campo. O garoto sequer sabia se iria ter vaga na escola a noite, mas ele não se preocupava mais com isso, só enxergava o salário que receberia no fim do mês e nunca mais na vida colocaria os pés na escola. Quando chegaram ao campo Otamar se pronunciou como seu chefe:
- Garoto, aqui você tá pá adiantar meu lado. Trabalhar e cumprir as meta dos homi. Se não me atender é rua. O que você sabe fazer?
Pedro ficou nervoso e sem resposta.
- Sabe carregar cimento? Tá vendo aqueles saco ali, quero tudo dentro do galpão. Vamos! – falou Otamar em um tom forte e sério.
Pedro carregou todos os sacos de cimento e chegou ao fim do dia cansado que nem ele acreditava. Às vezes ele ajudava seu pai, mas nunca tinha feito um trabalho tão duro. Otamar no fim do dia passou para conferir e nada disse. Quando Pedro chegou em casa sujo de areia e cimento todos queriam saber o motivo, ele sorriu e disse que tinha conseguido emprego. Carine vibrava bastante, seus pais também, rapidamente chegaram Jeremias e Israel querendo saber o motivo do alvoroço.
- To empregado primo.
- Mas como, porque que não avisou a gente que foi atrás de emprego?
- Porque o engenheiro me chamou, só eu.
- Mas você pudia ter chamado nóis também.
- Vamos me abracem.
E os três primos se abraçaram, mas Jeremias e Israel guardaram certo ressentimento pelo ocorrido. Já Carine não disfarçava o orgulho que sentia do seu namorado.
















CAPITULO 3

Trabalho Duro

A vida continuou boa para Pedro, pois apesar trabalho árduo ele estava em casa todos os dias e tinha tempo para o futebol e a namorada. À medida que foi ganhando dinheiro sempre ficava de olho na compra de coisas que nunca tivera acesso. Primeiro ele colocou na cabeça que iria comprar uma televisão de dez polegadas para colocar em seu quarto. Pagou a primeira prestação e dividiu o restante em doze vezes, quando a trouxe para casa todos os vizinhos se aglomeram para ver a chegada, este estava muito orgulhoso de sua nova conquista, pois a televisão era de imagens coloridas e a outra que havia em sua casa era pequena e as imagens eram em preto e branco. Pedro decidiu que a televisão ficaria na sala e aquele seria um presente para a família.
Carine continuou na escola e à medida que seu namorado ia se firmando no emprego seus sonhos iam se tornando mais palpáveis, Pedro era um rapaz muito bom e agora trabalhando ela já pensavam em casamento. A camisinha e a preocupação por gravidez foi ficando de lado por ambas as partes, a coragem de enfrentar uma vida a dois foi aos poucos se tornando real.
Na obra tantos nos dias de sol como nos dias de chuva o encarregado Otamar não aliviava para ninguém. O ambiente na obra era extremamente competitivo e como Otamar haviam mais três encarregados:  Cirio, Iran e Ulisses. Todos eram de cidades distantes a cachoeira e faziam de tudo para convencer o Engenheiro Aluizio que a mão de obra local não era boa, o objetivo dessa articulação era trazer parentes e amigos de suas cidades. Cirio era de Salvador, Iran de Nazaré das Farinhas, Ulisses de Santo Amaro e Otamar de Santo Antonio de Jesus.  Por esse motivo Pedro não podia vacilar. Ao comando de Otamar havia 16 pessoas, sendo que sete eram Santo Antonio de Jesus, quatro eram de cachoeira (incluindo Pedro) e os outros cinco eram de Salvador. Os sete que eram mais ligados ao encarregado se aglomeravam e se comportavam como uma “panelinha“. Entre eles e o encarregado Otamar os erros eram toleráveis, se o mesmo erro acontece com alguém de fora da panelinha a punição era maior. Pedro era um menino inteligente e notou que de nada adiantava bater de frente com Otamar e seu grupo, ele foi aos poucos ganhando a confiança do feudo, mas em momento algum Otamar tirava a mira dos demais garotos, sempre dizia ao Engenheiro Aluízio:
- Esses meninos aqui da região são muito folgado, deixa eu traze meus meninos de Santo Antonio e você vai ver o que é trabalho.
O engenheiro escutava desconfiado sem emitir nenhuma opinião a respeito do assunto. Otamar tinha uma visão estratégica da obra e seus interesses na maioria das vezes eram pessoais. Era o encarregado mais próximo a Aluízio e o que conseguia os recursos do empreendimento com mais facilidade. Sua palavra era quase que lei para o engenheiro, o mesmo se sentia ajudado pelo encarregado e não enxergava as picuinhas que ele gerava no ambiente de trabalho.
Pedro fez bons amigos no empreendimento: Isac era de outro bairro de cachoeira, assim como ele estava em seu primeiro emprego e também queria comprar eletrodomésticos para a sua casa. João era de Nazaré das farinhas e estava ali por indicação do encarregado Iran. Josias era de Cruz das Almas que ficava a uns vinte quilômetros do empreendimento, ele ia e voltava todos os dias. O futebol de Pedro que era familiar aos poucos mudou um pouco de foco, pois o pessoal da obra sempre marcava para jogar os domingos pela manhã, Pedro foi permitindo que esse novo mundo invadisse sua vida e foi se afastando aos poucos dos primos Israel e Jeremias. O garoto no horário da noite não queria mais saber de escutar as estórias do seu Samuel, preferia na maioria das vezes tomar uma cervejinha com o pessoal da obra. Más ele nunca perdeu de vista em ajudar a sua família com parte do salário.
Pedro ganhou de seu pai um terreno na beira do rio e aos poucos ele foi construindo. Em um fim de semana quando precisou bater lajem para a construção da casa todos na vila o ajudaram... Pedro tinha se tornado um pouco interesseiro, pois passou a não ter tempo para os outros quando alguém precisava dele.
Jeremias foi perdendo o interesse em trabalhar na fábrica de papel, uma dura realidade se aproximava de sua vida que era o nascimento do primeiro filho, este se ofereceu para ajudar seu Mariano em troca de um pequeno salário, mas seu pai fez diferente, lhe deu uma pequena quantidade de dinheiro para que ele pudesse comprar e revender mercadorias. Jeremias mostrou grande habilidade para comercializar e em pouco tempo já tinha uma barraquinha na feira, na qual o sustento de seu filho estava garantido. Era uma vida estressante de muita preocupação, pois o salário no fim do mês não era certo e o dinheiro circulava em sua frente, mas se o mesmo não rendesse acabava. A flexibilidade era um pouco maior, os horários eram os da feira e apesar de acordar cedo todos os dias, quando era de tardinha o mesmo já estava em casa e como dono do negócio era dono do seu tempo. Diferente de seu pai ele tinha ganância (também queria eletrodomésticos) e trabalhava muito mais. Este como Pedro passou aos poucos a ajudar seu pai que não acompanhava o embalo do filho.
Israel pouco queria saber de trabalho e compromissos fixos, seu foco era mulher, farras, bebidas... sempre que podia ele ganhava dinheiro capinando terrenos, fazendo serviços de pedreiro informalmente, ajudando seu pai, etc.
Nesse ritmo as vidas de Pedro, Israel e Jeremias foram tomando seus rumos. Pedro se casou e em pouco tempo Carine engravidou. Jeremias engravidou Luiza pela segunda vez. Israel fez um filho em uma menina da vida, quanto mais velho ficava mais irresponsável se tornava.  Dois anos se passaram.
























CAPITULO 4

                                      Greve

Tiago o primeiro filho de Pedro tinha nascido e Carine já esperava pelo segundo neném, a vida de casado tinha as suas dificuldades, porém, havia vários aspectos compensadores... Ela era uma esposa muito carinhosa e preparava um lanche bem gostoso todos os dias no final da tarde. Ele por sua vez tinha pique para chegar em casa e brincar com o filho, o nascimento da criança tinha iluminado aquele lar e era um grande combustível para que eles superassem as dificuldades de uma vida a dois. Fim de tarde era hora de olhar o rio com a criança e passear pelas ruas. Carine conseguiu concluir apenas o segundo grau na escola, pois tinha muita responsabilidade em casa.
Jeremias com duas crianças em casa tinha um pique parecido, porém, a inconstância da feira o deixava com uma instabilidade financeira um pouco maior. O nome de seus filhos eram Julio e Marina, estes sempre brincavam juntos com Tiago, principalmente na beira do rio.
Israel bebia quase todo dias e pouca atenção dava ao seu filho Paulo que tinha nascido, tinha um bom coração, mas não conseguia rumo na vida, não parava quieto com uma mulher e trabalho estável nem pensar. Mas continuava o garoto bom e amigo de todos os primos. O casamento, as responsabilidades e as novas amizades tinham deixado os três um pouco mais distantes, mas o vinculo familiar continuava forte.
O ano de 1994 era ano de eleições e os sindicatos em geral estavam fazendo muita fiscalização nas obras. Os trabalhadores da fábrica de Papel eram vinculados ao SINDCELL, Sindicato dos trabalhadores do ramo de celulose, este vinha sofrendo influência política de alguns partidos de oposição. O encarregado Otamar era amigo do presidente do Sindicato e tinha lhe comunicando tudo o que acontecia de errado no empreendimento. Em maio daquele ano o pagamento dos trabalhadores da fábrica de papel estava atrasado três dias e não tinham previsão para solucionar o problema. Pedro estava contando com o dinheiro para fazer a feira e ajudar seu pai, o salário nunca tinha atrasado e o mesmo já estava quase passando fome junto a família e seu pai.
Otamar comunicou ao presidente Jorge do Sindicato que o ambiente de trabalho era favorável a uma paralisação. Aluízio estava muito preocupado com a situação, o dinheiro simplesmente não saia e a empresa lhe dizia calmamente que ele tinha que esperar. Otamar bem traiçoeiro dava conselhos ao engenheiro:
- Senhor Engenheiro manda sair logo esse pagamento, os pião tá tudo doido, to preocupado bastante.
E ao mesmo tempo por telefone indicava ao Sindicato:
- O negocio aqui tá feio, os pião tudo passando por necessidade, e os homi nem aí. A gente precisa de ação já, só parando para esses homi resolver nosso problema.
Então no dia 08 de Maio de 1994 o sindicato estava na entrada da obra com uma pampa e um grande auto falante no fundo, o presidente iniciou o discurso:
- Trabalhadores, bom dia, é com muita honra que tenho o prazer de estar aqui com todos vocês nesse momento tão complicado, pois é de meu conhecimento que o Patrão os obriga a trabalhar para no fim do mês não querer pagar. Senhores isso é verdade?
E coro levantou a voz:
- Éeeeeeee.
- Por tanto senhores eu que ando quarenta anos em obras, nesses trechos, eu que tenho visto homens como esses donos dessa fábrica de papel enricarem com o suor dos trabalhadores, percebo que uma ação mais drástica deve ser tomada. Todos nós sabemos que as riquezas do Patrão é fruto do sangue que o trabalhador doa no campo. Nossas peles são abençoadas por Deus, só os guerreiros aguentam o sol do meio dia, quando sacos de cimento devem ser carregados, a massa deve ser misturada, os tijolos devem ser colocados...
Nessa linha o presidente do Sindicato foi discursando, os trabalhadores foram ficando emocionados com as palavras do Presidente Jorge, naquele momento eles tinham a impressão que podiam tudo, que eles mesmos eram os donos das fábricas. Os gritos agressivos ao Engenheiro Aluízio eram aplaudidos, um sentimento de justiça, de trabalho, a raiva pelo atraso, tudo ia tomando conta dos trabalhadores. Pedro escutava tudo, o mesmo estava passando fome, e naquele momento o Engenheiro Aluízio e a empresa eram as piores coisas que existiam, ninguém sabia que seu Samuel seu pai também estava passando fome, seu filhinho tinha tomado pouco leite naquele dia, o leite tinha sido dado por Jeremias. Uma grande emoção foi tomando conta de Pedro, as pessoas precisavam saber o que estava acontecendo de verdade, aquele herói corajoso que jogava palavras agressivas contra Aluízio precisava saber o que se passava com ele. Foi então que tomado pela emoção ele praticamente tomou o microfone das mãos de Jorge e iniciou seu discurso:
- Gente, meu filho só teve leite hoje porque meu primo pagou ao leiteiro um litro para mim, eu to comendo pão dormido, meu pai queria minha ajuda mas num teve. Tá todo mundo lá em casa precisando desse dinheiro, minha mulher teve que ir na casa da mãe pagar um cacho de bananas. Nois temo que entender o que? Que a empresa tá com problema de banco, temo é nada. A empresa tem que pagar logo todos nós, se não nois vai passar fome.
Então Jorge fez um gesto indicando uma foto ao fotografo do sindicato, pegou novamente o microfone e se pronunciou:
- Pessoal, eu quero saber quem o Patrão que vai explorar trabalhador aqui hoje? Eu quero saber quem é o trabalhador que produzirá riquezas em vão? Eu conheço a força de vocês, conheço o grito da conquista... quem será explorado aqui hoje que fique em silencio.
Falou num tom forte e contagiante,  os trabalhadores responderam:
- Vamos para casa.
Em menos de cinco minutos não havia mais ninguém em frente a obra.






















CAPITULO 5

Conseqüências

Pedro quando chegou em casa explicou a família o ocorrido, o mesmo tinha sido corajoso em lutar pelos seus direitos, a partir daquele dia os exploradores nunca mais iriam deixar de pagar, tinha passado a conhecer a força do trabalhador, o Jorge iria lhes defender para sempre. Seu pai Samuel que pouco sabia de trabalhos de carteira assinada, mas muito sabia da vida informou que o mesmo se precipitou:
- Filho, você deveria ter tido um pouco mais de paciência, esses sindicalistas viajam o país atrás de bagunça e depois vão embora. Nois do campo devemos lutar pelos direito, mas também devemo cuida do nosso ganha pão, filho acho que você foi um pouco inocente.
Pedro tentou argumentar de todo jeito para seu pai, sua irmã escutava tudo com muita atenção, mas não conseguiu convencer. Samuel finalizou a conversa:
- Agora só resta rezar a Deus.
No dia seguinte todos retornaram ao trabalho como se nada tivesse acontecido, a secretária de Aluízio avisou que poderiam sair ao meio o dia com o cheque em mãos e recolher o pagamento no banco. O Gerente regional, Rodrigo, que era chefe de Aluízio estava na obra naquele dia, ele não aceitava a greve mesmo com o atraso do pagamento.
- Aluízio, que porra de controle é esse que você tem sobre seus funcionários, que apenas quatro dias de atraso são suficientes para uma paralisação? Que caralho de chefe de obra você é?
- Fui surpreendido, o Sindicato apareceu aqui sem avisar, sequer nos deu uma chance de negociar. E rapaz, o pior de tudo, vocês pagaram depois da paralisação, fica parecendo que só funcionamos sobre pressão. Sinceramente é muito complicado segurar essa turma com atraso de pagamento. ..
Ficaram discutindo nessa linha durante uns cinco minutos, o sindicalista Jorge seguiu para o sul da Bahia para realizar novas fiscalizações, em cada obra o mesmo tinha seus informantes e isso facilitava as paralisações. Otamar circulava do lado de fora da sala, o mesmo dava tudo por saber o que aqueles dois conversavam. Ele bem oportunista, bateu na porta e entrou:
- Bom dia Seu Engenheiro, agora eu quero saber o que vamos fazer com os grevista? Bota para trabalhar ou coloca eles para a rua.
Rodrigo se interessou pelo assunto e perguntou:
- Como assim grevistas?
- Esses menino aqui da região, foi quem fizeram a greve, tudo grevista, não gostam de trabalho não, é só dor de cabeça.
Aluízio ficou pensativo e deu sua opinião:
- É verdade, todo o movimento de paralisação foi realizado por um menino da região que eu mesmo contratei, devemos fazer uma limpeza.
- Tudo bem, Aluízio agora não é momento de demitir grevistas, deixa a poeira baixar e você os demite como corte de gastos, assim terá tempo para melhorar a sua equipe. Você tem 45 dias- finalizou Rodrigo fechando sua pasta e indo embora.
Cada dia de trabalho era terrível para Pedro, assim como Samuel tinha alertado o sindicalista Jorge ganhou o mundo e nunca mais apareceu, a vulnerabilidade em relação ao patrão voltou ao normal, o comportamento estranho do encarregado Otamar o assustava. Sua vida já era cheia de compromissos e para complicar ainda mais sua situação financeira Carine estava grávida de novo. Ele se arrependia todos os dias de ter subido naquela pampa discursar. O engenheiro Aluízio não falava mais direito com ele e isso também o preocupava.
Exatamente após 45 dias do término da greve Pedro e todos de Cachoeira da equipe de Otamar foram demitidos. No dia seguinte os substitutos chegaram, todos eram de Santo Antonio de Jesus, a mesma cidade de Otamar. Em poucos meses a situação financeira da obra voltou ao normal, o sindicalista Jorge se elegeu deputado estadual e Pedro ficou desempregado com três bocas para alimentar. Pela primeira vez na vida sentiu de verdade o peso, a crueldade e as injustiças que o mundo reserva a algumas pessoas.











CAPITULO 6

Desempregado

No dia em foi demitido Pedro olhava o rio, as arvores, sequer sabia com que cara iria chegar em casa. O dinheiro já estava curto com o emprego... agora desempregado o mesmo não tinha tempo de processar o ocorrido. Aquele fora seu primeiro trabalho e com ele havia estabelecido a projeção de uma nova vida. Pensava em sua vida gostosa de casado, em Carine grávida de novo, no Som, no fogão, na geladeira, no sofá... naquela casinha arrumada, mas ele precisava estar trabalhando para manter todos aqueles sonhos. Suas responsabilidades e obrigações lhe pesavam como uma navalha. Um sentimento de ódio de Otamar e Aluízio tomou conta dele, se arrependia de ter subido naquele palanque, mas vida de pião é assim, não é dono de empresa, um dia pode estar trabalhando o outro pode estar na rua. A ideia de Carine grávida. Há! Essa era a pior de todas, a chegada de cada eletrodoméstico em sua casa, dos presentes comprados para seu filho.  O termo utilizado para a demissão do pião de trecho é “amarrar a lata”, a primeira amarração de lata o pião nunca esquece. Chegando  em casa deu a noticia que fora demitido, sua esposa teve sensações parecidas e de desepero... mas foi mas sábia que ele e lhe instruiu que mantivesse a calma, haviam direitos a receber até trabalhar de novo. Poucos dias depois ele recebeu todo o dinheiro do seu processo demissional, a grana era boa, mas a sensação de desemprego dilacerava a auto-estima. E as prestações dos móveis e dos eletrodomésticos eram pesadas. Em poucos meses após a demissão nasceu sua filha e deram lhe o nome de Gabriela, a alegria tomou conta da casa, um bebê animava os ânimos de todos, mas os compromissos permaneciam. Até que a grana  acabou, então ele virou um leão e começou a ganhar dinheiro com o que aparecia, sua experiência em obras lhe permitia um número grande de trabalhos informais, mas esse dinheiro não era suficiente para equilibrar as contas, pois haviam muitas prestações. Carine percebeu que o problema de todo aquele desgaste estava nas contas atrasadas dos bens materiais, então lhe sugeriu que tudo fosse vendido e assim poderiam viver com pouco, mas em paz, ela escutou:
- Tá doida, vamo andá pá trás é mulé? Já já eu acho outro emprego, daqui de casa num sai nada, é tudo nossas conquista.
Em pouco tempo Pedro se tornou estressado e pouco carinhoso, trabalhava demais e instabilidade financeira acabava com ele. Ele tinha certeza que a qualquer momento um novo emprego bom iria aparecer. Um dia ele foi pedir dinheiro emprestado ao seu primo Jeremias e escutou:
- Pedro, tu nem um sofá milho que o meu, tua televisão é colorida... tu que se livrar das divida? Vende tuas coisa.
Por algum motivo na mente de Pedro ele achava que Jeremias tinha a obrigação de arcar com suas dívidas. O mesmo saiu em direção ao rio nervoso  e inconformado, lá tomou um banho para ver se passava o estresse, em vão. Diferente do primeiro filho, agora era um pai emocionalmente um pouco mais distante com Gabriela.  
























CAPITULO 7

Trecho

O meses foram passando e as dívidas de Pedro só aumentavam, não conseguia de jeito algum equilibrar os gastos com as receitas. Seu casamento foi se tornando uma bomba, brigavam praticamente todos os dias:
- Que culpa eu tenho se fui demitido. Tu acha que eu queria essa falta de dinheiro? Tu acha que eu gosto de olhá pá cara do gerente nojento do banco, que só fala enrolação e me dá mais juro?
- Eu não saí de casa para viver esse inferno- respondia Carine.
Seu Samuel tentava intervir, mas Pedro não o escutava. Sem dinheiro e falta de habilidade para lidar com a situação o casamento estava por um fio. Ele tinha apenas vinte anos e ela dezenove. No intuito de relaxar ele começou a tomar cachaça todos os dias e sempre que podia jogava uma sinuquinha com Israel. A reaproximação com o primo foi inevitável, adepto dos trabalhos informais, estar com ele era como uma fuga, um convite para se desligar da realidade. Quando Pedro chegava em casa bêbado, uma nova briga explodia com Carine. No dia seguinte ele ia trabalhar amargurado: limpava terrenos, trabalhava de pedreiro, carregava caminhões, colhia laranjas, etc. Ficou com fama de grevista e não conseguia assinar a carteira em outros lugares. Sua luta sempre lhe permitiu que não faltasse comida em casa, viveu um grande estresse, mas de maneira alguma passou fome. A família de Carine começou a falar mal dele:
- Menina, cuidado para não virar homem de farra e te deixar com as duas crianças. Homem quando fica desempregado e começa assim, é só ladeira abaixo.
Pedro estava a ponto de explodir com tanta pressão, tudo ao seu redor ia contra ele, mas o mesmo também não conseguia direcionar as energias para as coisas certas.
Certo dia ele estava jogando sinuca com Israel e um homem se convidou para jogar. Era um homem de seus cinquenta anos e tinha o semblante bem cansado, seu nome era Ulisses. Juntos os três foram tomando cachaça e conversando futilidades. Até que uma hora ele perguntou para Pedro:
- O que faz da vida?
- Trabalhava nas obra, mas agora to desempregado e vivo do que aparece para eu fazer.
- Aqui tem pouca obra, num presta não. Tú tem sangue no olho para viajar e trabalhar fora. Sou da montagem industrial. Amanhã a tarde saio com toda a minha equipe para Cubatão em São Paulo, vai ter uma ampliação lá. To precisando de mais um pião para ir cumigo. Tu tem carteira? Quer vir?
Pedro ficou calado. Então Ulisses completou a proposta:
- Lá com as horas extras dá para tirar dois salários. Bem facinho.
Então Pedro que estava carregado de ódio, cansado e disposto a manter o padrão de vida, respondeu:
- Tô dentro.
- Você tem que tá amanhã cinco horas da tarde de mala arrumada na rodoviária.
Naquele momento Pedro queria que toda a família de Carine soubesse o quanto ele é bom, ele sim sabia conseguir os empregos... iria voltar a pagar as contas, de maneira alguma tinha medo do mundo, conhecia outros homens que viajam e pagavam todas as suas prestações.Como o casamento não ia bem e estava emocionalmente distante dos filhos, o dinheiro estava em primeiro plano. Chegou em casa bêbado naquele dia, por isso deixou para dar a noticia para Carine no dia seguinte. Quando ele acordou, a primeira coisa que ela disse:
- São oito horas já. Trabalha mais não?
- Arrumei foi empregão, vou tirá dois salário. Vou hoje de tarde para São Paulo.
- Mas Pedro, tu tá sendo afobado. Eu posso procurar trabalhar também. Tem muito restaurante aí precisando de menina boa.
- Mulhé minha num trabalha não, fica em casa cuidando dos meus filhos.
- Deixa de ser abestalhado. Tu vai cair nesse mundo, sendo que podemos resolver tudo por aqui.
- Vou me embora hoje as cinco horas da tarde.
Então Carine percebeu que todos os seus argumentos seriam em vão. Ele estava resolvido a viajar, estava tomado por algum ódio que ninguém, nem ele mesmo, conseguia explicar. No fim da tarde ele ficou um pouco reflexivo, nunca na vida tinha visto aquele homem, sequer sabia como era São Paulo... apenas se lembrava de algumas cenas de novelas. Olhava para o filho, para a filha...
As quatro horas em ponto ele estava na rodoviária com Carine e as duas crianças, Tiago chorava sem parar, de algum modo ele sabia que seu papai iria para longe. Gabriela estava apenas com quatro meses. Aos poucos outros trabalhadores foram chegando com suas esposas, eles conversavam sobre o escopo da obra em Cubatão:
- Lá serão duzentas tonelas de tubulação e noventa de estrutura.
- Negativo companheiro, ali serão  trezentas de tubulação e cento e quarenta e cinco de estrutura.
- A Dupond Construtora pegou parte dessa obra também.
- Acho que eles vão entra com o suporte...
Pedro observou de longe aquela conversa, mas pouco sabia do que aquelas pessoas falavam. Encima do horário o ônibus contratado pela empresa chegou, havia uma grande faixa “ Klan Engenharia”. Um rapaz perguntou bem alto:
- Todo mundo aí sabendo do salário e com as carteiras nas mãos?
Todos deram sinal de positivo, Carine fez uma última tentativa:
- Pedro não vá, por favor.
- Tchau, vou vencer lá em São Paulo. Vou voltar com dinheiro, será por pouco tempo.
Quando Pedro estava entrando no ônibus, Tiago que já tinha quase dois anos, pronunciou doces palavras:
- Papai...dimbora não papai...dimbora não papai.
Os olhos de Pedro se encheram de lágrimas, mas ele reprimiu o choro e entrou no ônibus. Estava um pouco cabisbaixo. Então um homem puxou conversa com ele:
- Primeira vez que cai no trecho?
-É.
- Ra Ra Ra, depois você acostuma. 
Dentro do ônibus todos conversavam a respeito de toneladas, firmas, estrutura, Gerentes. Pedro observa a Vila que tinha sido criado, agora ele estava indo para bem longe. Carine ficou apavorada com as duas crianças na rodoviária. O choro de Tiago era estrondoso, Gabriela nada entendia... e para longe Pedro viajava.









CAPITULO 8

São Paulo

A viagem foi muito cansativa, ela durou três dias e muitas vezes o ônibus demorava de chegar nos pontos de alimentação cadastrados pela empresa. Antes de chegar a Cubatão foi necessário passar por São Paulo capital, aquilo foi um novo mundo para Pedro, estava assustado e vislumbrado ao mesmo tempo. Aquele transito, prédios, avenidas eram completamente diferente do que Pedro realmente esperava. Sentia-se acuado, um pouco amedrontado, pararam para fazer um lanche em um posto de Gasolina, o sotaque das pessoas era bem diferente, ele não encontrou o perfil acolhedor das pessoas com o qual estava acostumado em Cachoeira. Pouco depois o ônibus seguiu para Cubatão, chegando lá a vista era horrível, chegou a ser agressivo para a Natureza de Pedro. Ele notou que os demais poucos de importavam, concentrados estavam no escopo da Obra:
- Daquela torre até aquele tanque será o primeiro Pipe-Way. Só serão 35 Toneladas de suportes.
O ônibus parou em frente a um prédio velho que tinha a vista para outro prédio velho. Então o administrativo indicou que todos descessem do ônibus e lhes entregasse as carteiras de trabalho. Na espera havia outro administrativo responsável pelos alojamentos, como sotaque de São Paulo ele falou:
-  Como foram de viagem?
- Muito bem, demoramos três dias.
- Aqui o alojamento são oito por quarto. Acabei de comprar lençol e toalha. O restaurante é ali em frente. Vieram quantos nesse ônibus?
- 37 Pessoas.
- Tem vaga para todo mundo. É só mandar eles irem para o terceiro andar e lá vão encontrar as camas prontas e as chaves dos armários.
- Onde é que tem um lugar para tomar uma gelada, não aguento mais ficar na água.
- Boteco com gelada aqui é o que não falta.
Pedro pouco tinha conversado e se enturmado no ônibus. Subiu até o terceiro andar e escolheu uma cama. Quando sentou na cama pensou em voltar. Olhou a sua volta, todos estavam animados com a chegada:
- Vamos fazer os exames só amanhã. Hoje é dia de procurar lugar para tomar uma bem gelada.
Ulisses teve a preocupação de procurar Pedro e perguntar como ele estava:
- Como tá garoto? Gostou?
Pedro assustado respondeu:
- Mais ou menos, não era isso que eu tava esperando.
Então Ulisses que sabia que não poderia aliviar, respondeu:
- Pedro, aqui tu tá para ganhar dinheiro. Mas tem que me ajudar no serviço.
Pedro sentiu uma confiança muito grande nas palavras de Ulisses, diferente de Otamar ele inspirava o verdadeiro respeito e compromissos com as obrigações que ali tinham de ser feitas.
- Eu tenho um filho da tua idade, sabia? Os administrativo vão cuidar de tudo. Se tiver algum problema pode me procurar, Pião da minha equipe não passa aperreio.
Ele se sentiu mais confortável com a presença de Ulisses, então a noite comeu um bom prato de comida, ligou para o orelhão de sua rua para falar com Carine, chorou de saudades e dormiu.
















CAPITULO 9

XXXXXXXXXXXXX

No dia seguinte todos fizeram os exames e depois já assinaram as carteiras de trabalho. Aquelas torres, aqueles grande tanques, aquelas pessoas andando de um lado para outro... esse mundo industrial deixava Pedro impressionado. Aos poucos ele foi se enturmando e entrando no espírito do trabalho do time de Ulisses. A sua equipe foi formada com as pessoas do próprio quarto. Nobrega era o encanador líder da equipe, este já estava a 16 anos no trecho e bebia todos os dias. Jackson era o lixador, era evangélico estava no trecho a 12 anos, passava as noites rezando e seu objetivo era ganhar dinheiro no trecho e depois sair. Jarbas era o soldador, estava no trecho a seis anos e sempre que podia saia para paquerar garotas. Haviam mais três ajudantes: Junior, Sales e Pablo... estes como Pedro estavam em sua primeira empreitada e passavam por sensações parecidas. Ulisses passava todos os dias no quarto para contar as novidades do empreendimento: Os equipamentos que chegavam, local onde eles trabalhariam, e sempre trazia umas cervejinhas para ficar conversando com o pessoal. O seu maior objetivo com esta ação era unir e equipe e fazer com todos se sentissem integrados ao seu grupo. A entrada dos trabalhadores na obra era impressionante, todos os dias entravam 2000 mil homens na obra. Então o trabalho árduo foi começando, havia que carregar tubos metálicos pesados, carregar os equipamentos de solda, deixar a área limpa, aos poucos aquele ambiente industrial foi se tornando Familiar para Pedro, em compensação ele começou a entrar no embalo de tomar uma cervejinha todos os dias, ela aparentemente aliviava a saudade de casa e o desligava do dia estressante. Todos os dias ele ligava para Carine para saber dela e dos filhos, e lhe dizia que o fim do mês estava chegando, que ele mesmo iria ao banco depositar o dinheiro, que não iria faltar nada em casa. Carine apenas lhe dizia:
- Pedro o Tiago está morrendo de saudade, volta logo. Você paga essas dívidas e volta para casa.
Ele escutava mas estava se contagiando aos poucos com a cultura de estar fora de casa, ele foi aos poucos enraizando a pegada das obras de montagem, onde muito se bebe, se trabalha, se diverte, se brinca, se fofoca, etc. A vida do trecho apesar dos sacrifícios tem diversos encantos. O trabalhador de campo tem uma maneira boa de encarar o ambiente de trabalho, quando ele está satisfeito, brinca muito, coloca apelidos dos mais engraçados... namoram as meninas que o momento oferece. Nesse mundo Pedro foi mergulhando, ali foi ganhando dinheiro, o casamento foi esfriando, as idas a casa eram de três em três meses. Carine queria que aquela solidão acabasse logo, ela não procurava pensar o que Pedro poderia estar fazendo.
Perto das obras sempre se formam bares que são frequentados em sua maioria pelas pessoas da obra. No caso de Cubatão existia um sambinha todos os dias, e nesses bares as mulheres sedentas por wisk não demoram de aparecer. Pedro começou indo um dia por semana, depois dois, depois três... sempre que podia namorava as meninas, começou a ficar viciado em horas extras para ganhar mais dinheiro, pois as farras eram caras, mesmo assim em casa nada faltava. Um ano se passou, Pedro tinha ido apenas três vezes em casa e ele já era membro permanente e competente da equipe de Ulisses. E já conversava em quantas toneladas sua equipe iria montar naquele mês. Já Carine, agradecia a Deus por não estar passando fome, pois nada faltava em casa, mas queria Pedro pertinho dela dando atenção a sua família, pois as dúvidas já estavam pagas e Carine não entendia porque ele não voltava para casa.





















CAPITULO 10

A vida no trecho

Pedro se firmou e ganhou a confiança de Ulisses no trabalho, dois anos se passaram e aquele ambiente que ele tanta estranhara um dia já lhe era comum. Sua vida era se divertir, trabalhar, beber a noite, procurar mulheres, conversar excessivamente de obras, ligar para a família e comprar presentes para os filhos e para a mulher. Certa sexta-feira os comentários começaram cedo:
- Hoje vai ter cover de raça negra.
- Vai ter só as melhores papai.
Toda a obra estava empolgada com um show de um cover de raça negra que ia acontecer, os ingressos já estavam comprados e era dia de ligar cedinho para Carine:
- Ligo logo cedo para a mulhé, depois que ela dormi eu me mando pros show.
E assim foi naquele dia, naquela sexta-feira Pedro como de costume ligou para o orelhão e eles falaram o básico rapidamente. A vida de Carine se tornara entediante, era uma espécie de infelicidade interna e vergonha inexplicável para as pessoas, pois estar naquela fase da vida com o marido tão ausente de casa era frustante. Ela não conseguia disfarçar dos filhos certo rancor por aquela solidão. Pedro foi para a farra e ela foi para a casa. Logo que desligou o telefone Tiago começou a vomitar, já Pedro começou a beber, depois Tiago piorou, Pedro também piorou, Carine procurou uma carona para o hospital que de pronto não encontrou, Pedro pegou um taxi com os amigos e na porta do show ele ficou, Tiago chorava cada vez mais forte, Pedro falava cada vez mais alto.
Carine no desespero pediu a ajuda de Jeremias de que de pronto colocou ela, Tiago e Gabriela na moto rumo ao hospital. Chegando lá ele se desculpou e disse que não poderia ficar, mas que ia deixar a moto com Israel para que ficasse de plantão e assim ocorreu. Gabriela chorava muito, pois a neném queria estar em casa, a mãe não conseguia acalmar ela, foi quando Israel a pegou pelo colo e a neném sorriu, com sua pelezinha moreninha e seus pequenos caixos negros. Para sempre uma relação paterna entre Gabriela e Israel estava formada. A noite passou devagar, os médicos deram vários soros para Tiago, o neném ficou sobre observação até o amanhecer. Israel ficou do lado de fora do hospital brincando com Gabriela e Carine sem dormir na sala de espera.
Pedro entupido de bebida estava em estado de estase, cantando todas as músicas de raça negra, abraçado com os amigos, mexendo com as mulheres e bebendo cada vez mais. Em pouco tempo arranjou uma namorada no show e entre amigos eles brincavam:
- De fudé demais papai. Eu quero é mais, eu quero é mais....
A noite passou e o dia amanheceu. Carine chegou em casa com as duas crianças no colo, agradeceu a Israel e ficou sozinha por horas olhando o rio. Queria explodir, quebrar a casa, bater nas crianças mas só lhe restou chorar. Chorou por três horas seguidas e se lamentou, se perguntou mas não encontrava respostas.
Pedro acordou de ressaca no final da tarde de sábado, a primeira coisa que fez com os amigos foi resenhar:
- A menina mora aqui perto, na semana vou lá dormir com ela.
Até que de tardinha chegou a hora de ligar para casa, ele escutou em tom desesperado:
- Pedro passei a noite no hospital com o Tiago, ele ficou muito doente. E você longe. Para com isso, volta logo. Quem ficou lá com a gente foi seu primo Israel.
Ele respondeu em tom confuso:
- O Tiago tá doente? Diz para ele que vou comprar o caminhão mais bunitu daqui. Vou levar presente para você também. Ele já está bem?
Pedro tentava compensar a ausência de casa com presentes. De alguns amigos de trabalho ele escutou:
- Rapaz, mulher é assim mesmo. Tenta de todo jeito chantagear o pião. Garoto, garoto vá se acostumando com essas coisas.
De um lado ficou Carine na solidão, e do outro Pedro confuso, mas tomado de conta por aquele ambiente de obras. A segunda-feira chegou e já haviam pré-fabricados para montar.

























CAPITULO 11

O passar dos anos

Mal Pedro concluiu sua primeira obra em Cubatão e já havia outra para ir no interior do Pará, e depois em Minas Gerais e foi também ao Rio Janeiro e ao Brasil ele passou e pertencer. Carine suportou esperançosa que Pedro desistisse daquela vida por dois anos, depois desse tempo ela não se separou, mas também passou a ter uma vida paralela. Continuou uma mulata bonita e atraente, sempre que podia deixava as crianças com a mãe e inventava uma desculpa para ir a Salvador passear, fazer cursos, etc. E ali ela se interessava por outros rapazes assim como Pedro se interessava por outras garotas. O casamento passou a ser praticamente uma fachada, o único motivo que unia os dois e os mobilizava de verdade era quando ocorria algum problema com os filhos. Gabriela cresceu e se tornou uma menina desobediente, a verdade é que Carine não podia com ela, a menina sentia uma espécie de raiva e amor a todos os homens, talvez o preço de uma referência masculina ausente de sua vida. O único que ela respeitava de verdade era Israel, primo de Pedro, quando este lhe dava broncas ela se comportava e lhe escutava, ele tinha um carinho muito especial pela sobrinha. O respeito que ela tinha por Pedro era confuso, ela sabia que aquele homem lhe originara a vida, mas sua intuição feminina desde pequeninha entendia e processava tudo, o vazio que o pai deixava em casa e solidão da mãe, lhe remetia a um ódio inconsciente do pai... uma mistura de amor e ódio que mais tarde iria refletir nos seus relacionamentos com os homens. Já Tiago de certa forma achava o máximo a luta do pai, talvez os primeiros nos de sua vida em que Pedro passeava com ele na beira do rio, lhe permitiu um respeito e um vínculo eterno com o pai. Ele foi crescendo e onde estivesse procurava falar com Pedro todos os dias.
As vezes que Pedro ia para casa praticamente só falava em toneladas de tubulação a serem montadas. Tirava um tempinho sim para falar com Carine e saber dos filhos. Por um lado ele sentia um orgulho imenso, pois não faltava nada em casa e os dois filhos eram bons alunos na escola.
        Quinze anos se passaram, em 2007 Pedro já era encarregado de Solda e no trabalho seguia o exemplo de Ulisses. Carine era dona de um salão de beleza. Tiago cursava o terceiro ano em Salvador e Gabriela ainda estudava em Cachoeira.
14 de Dezembro de 2007, Aeroporto de Salvador
Lá estava Pedro rumo a Coari interior do amazonas, ali seriam construídas duas estações de compreensão para aumentar o abastecimento de Gás em Manaus.
- Pedro, você sabe quantas toneladas de tubulação serão montadas?
- 400 toneladas de aço carbono mais 250 de inox.
- Como é que está a distribuição de firmas nesse consorcio?
- A TDK é a dona da obra e a Ticna Engenharia está com o projeto, a parte de civil é da Proenegem Engenharia.
- Muito bom....
Já esperava o horário do avião como se aquilo fosse pegar um ônibus. Então o celular tocou:
- èe passou... passou... tá na lista....
- Como? – disse Pedro- Não entendi.
- Passou... O Tiago passou para Engenharia Civil nas cotas, sou eu Carine. O Jeremias tá reservando o boi e o churrasco.
Naquele momento Pedro como de costume pensou em suprir sua ausência dizendo que ia transferir o dinheiro da festa para Jeremias, o dinheiro pela presença, como tinha feito nos últimos 15 anos. Mas Tiago pegou o telefone:
- Pai, passei, passei... valeu a pena, todo o sofrimento que passei em Salvador sem dinheiro, obrigado por ter sido meu amigo todos esses anos. Mesmo estando longe, você é meu melhor amigo. Vem para cá!.
Naquele momento as ideias de Pedro tornaram-se confusas, frases como “meu filho Engenheiro Civil” eram disparadas o tempo todo pelo seu inconsciente. As injustiças que ele passara na vida todos aqueles anos trabalhando no trecho. A quantidade de engenheiros mau educados que já suportara para permanecer no emprego. E agora seu filho. Era tudo bem confuso, aqueles anos todos ele trabalhará por um propósito, o futuro dos seus filhos. Lembrou-se de Gabriela e Tiago, e sentiu muito orgulho de uma luta, um sacrifício... pois ele sacrificará a sua vida e a de Carine pelos filhos e este era a primeira vez na vida que tomava consciência disso. Estava emocionado, seu filho ia cursar engenharia civil... uma grande festa estava para acontecer e ele não ia poder comparecer. Então um de seus amigos que acabara de chegar ao aeroporto lhe perguntou:
- Quem é a gerencia dessa obra?
- Ponto final- foi o que Pedro respondeu.
Pegou o celular e ligou para seu superior. Ainda não estava com a carteira assinada:
- Não vou, tenho que resolver uns problemas.
- Só esse embarque.
- Não vou, tenho que resolver uns problemas.
Pegou o celular e ligou para Gabriela:
- Filha, se prepara que eu to chegando aí de surpresa.
Pegou um ônibus até a rodoviária e partiu para cachoeira. No caminho ia olhando para a BR-101 e começou a sentir saudades de sua infância. Só queria chegar em casa e fazer a surpresa que Carine e seus filhos sonharam por tantos anos, aquele era o dia do ponto final. Quando chegou em cachoeira, lá estavam todos no mesmo campo de futebol de anos atrás. Quando ele chegou a alegria de todos era evidente, o dia era de festa. Seu filho jogava em campo e o churrasco não parava de sair. Carine estava um pouco estressada, ela se preocupava com tudo . Pedro olhou tudo aquilo, o rio, a mulher, os filhos... ele tinha um coração bom, ainda estava em tempo de conquistar todo mundo, principalmente reconquistar Carine. Se aproximou dela e depois de muitos anos tornou a ser carinhoso com ela:
- Parabéns pela mãe que você é, estou muito orgulhoso de você.
Pedro ainda não sabia como ia ganhar dinheiro, mas era ciente de que ia vencer, seu conhecimento de solda era avançado, isso lhe permitiria arrumar empregos por ali, não tão bem remunerados, mas perto de casa. Queria dizer algo ao filho, como um pai bobo que quer ajudar, mas a única coisa que sabia da faculdade de engenharia era que as matemáticas eram bem puxadas. O sol foi se pondo, ele queria se reaproximar da filha, puxava conversa, Gabriela naquela dia mais que ninguém estava muito orgulhoso do pai. O chefe da obra de Coari tornou a lhe ligar para aumentar a proposta do salário. Mas Pedro nem atendeu. Aquele foi o dia do ponto final.


FIM

Nenhum comentário:

Postar um comentário