domingo, 23 de junho de 2013

Pião de Trecho---Capítulo 2 : Fábrica de Papel


O anuncio da construção de uma fábrica de papel foi feito na cidade. Uma grande confusão de ideias tomou conta de todos, alguns diziam que a fábrica era o fim, para outros marcava a chegada do desenvolvimento. Israel, Jeremias e Pedro passaram por perto para se interar do assunto, no começo pouco se interessaram. Mas a medida que a construção foi evoluindo algumas pessoas que nela trabalhavam começaram a comprar bicicletas bonitas, motos a prestação, televisão, vídeo cassete, etc. Conseguir emprego na construção da fábrica foi se tornando um sonho para todos os jovens da cidade. Uma bela manhã os três primos decidiram ir a procura de emprego, lá foram de bermuda, havaianas e boné. Para eles seria mais divertido chegar lá andando e desse jeito foram. No caminho iam se fazendo brincadeiras, e diziam:
- Esses emprego é tudo é nosso.
Iam como se fossem os donos do mundo, quando chegaram perto avistaram de longe um parque de equipamentos e apostaram corrida até o ponto. Para surpresa de todos lá havia grande número de homens aguardando que alguém chegasse ao lado de fora para pedir uma oportunidade de emprego. Aquilo de certa forma foi um pouco chocante para eles, pois havia muitos pais de família conhecidos implorando para aquelas pessoas que passavam de longe. Ali passaram o dia e nada aconteceu. Pouco se importaram e na volta decidiram tomar banho no rio, havia uma grande arvore na beira que servia de trampolim para os garotos brincarem. Mal tinham percebido e já era noite, era hora de retornar a casa tomar um café e dormir.
Dois dias depois Carine incentivou Pedro a ir lá novamente. Mas dessa vez sem boné, de calça e pegando carona de moto com o vizinho. Pedro foi sozinho sem avisar nada aos primos. Ele chegou bem mais cedo com os olhares compenetrados no objetivo. A medida que o dia ia evoluindo as pessoas iam embora, ele estava determinado e ali mesmo ficou. Um sentimento de raiva ia tomando conta por ninguém ter ido falar com ele. Já eram sete horas da noite e apenas o engenheiro da obra permanecia no canteiro e o garoto não queria sair dali sem falar com ninguém. Próximo às oito horas o engenheiro saia do canteiro rumo a sua pousada quando observou aquele garoto ali agachado olhando para ele.
- Boa noite, o que faz aí?
- Eu quero emprego.
- Como é seu nome?
- Pedro.
-O meu é Aluízio, vamos te dou carona.
O engenheiro deixou Pedro próximo a sua casa e a única frase que pronunciou foi:

- Esteja aqui amanhã as 7 horas que iremos a obra.

Então Pedro foi a casa de Carine e lhe contou o ocorrido. Ela quase que não acreditava de tanta emoção e os dois quase que não dormiram de tanta ansiedade. No horário marcado ele compareceu. Chegando dentro da obra, o ambiente era sujo e agressivo, a estrutura era precária e as pessoas se aglomeravam em containers. O Engenheiro Aluízio mandou chamar sua secretária e lhe disse:
- Da região, como fazemos para contratar ele como ajudante?
- Ele pode começar a trabalhar hoje, sábado o mandamos ao médico e depois assinamos a carteira.
- Ótimo, mande chamar o encarregado das bases, por favor.
Otamar o encarregado entrou no container e deu bom dia. Este era um homem de seus cinquenta anos, mas aparência era de 60, ele sorriu de um jeito alegre, malicioso e desconfiado ao mesmo tempo. E se pronunciou:
- O que é que tá precisando Engenheiro?
- Seu novo ajudante, ele é da região. Quer trabalhar.
- Muito bom, muito bom. O menino quer trabalhar né? - E sorriu avaliando Pedro.
Pedro estava tímido, desconfiado e empolgado. As emoções que passavam pelo garoto eram bem confusas.

- Quanto vou ganhar?
- 522 mil cruzados por mês-  se pronunciou Aluízio.

Nesse momento os olhos de Pedro se encheram de emoção, pois seu pai com toda experiência que tinha na vida quando tirava muito dinheiro eram 400 mil cruzados no mês. Pedro saiu com o encarregado das bases rumo ao campo. O garoto sequer sabia se iria ter vaga na escola a noite, mas ele não se preocupava mais com isso, só enxergava o salário que receberia no fim do mês e nunca mais na vida colocaria os pés na escola. Quando chegaram ao campo Otamar se pronunciou como seu chefe:
- Garoto, aqui você tá pá adiantar meu lado. Trabalhar e cumprir as meta dos homi. Se não me atender é rua. O que você sabe fazer?
Pedro ficou nervoso e sem resposta.
- Sabe carregar cimento? Tá vendo aqueles saco ali, quero tudo dentro do galpão. Vamos! – falou Otamar em um tom forte e sério.
Pedro carregou todos os sacos de cimento e chegou ao fim do dia cansado que nem ele acreditava. Às vezes ele ajudava seu pai, mas nunca tinha feito um trabalho tão duro. Otamar no fim do dia passou para conferir e nada disse. Quando Pedro chegou em casa sujo de areia e cimento todos queriam saber o motivo, ele sorriu e disse que tinha conseguido emprego. Carine vibrava bastante, seus pais também, rapidamente chegaram Jeremias e Israel querendo saber o motivo do alvoroço.
- To empregado primo.
- Mas como, porque que não avisou a gente que foi atrás de emprego?
- Porque o engenheiro me chamou, só eu.
- Mas você pudia ter chamado nóis também.
- Vamos me abracem.
E os três primos se abraçaram, mas Jeremias e Israel guardaram certo ressentimento pelo ocorrido. Já Carine não disfarçava o orgulho que sentia do seu namorado.

domingo, 16 de junho de 2013

Pião de Trecho----Capitulo 1 : A vida


Aqui começa um relato que será contado aos poucos em dez capítulos.....





Algum domingo de 1992,


Domingo a tarde era dia de jogo entre os bairros da cidade de Cachoeira interior da Bahia, estes aconteciam em um campo na beira do rio Paraguaçu que ficava nas propriedades da Família Nascimento. A origem da família era um casal de escravos que foi morar ali em 1872 e aos poucos filhos, amigos, primos e conhecidos foram chegando e ocupando aquelas terras ao lado do rio. O time da família Nascimento estava jogando naquele dia, o outro time era da praça e era formado por amigos que gostavam de futebol. A faixa etária dos garotos variava entre 16 a 20 anos, enquanto eles se divertiam as famílias e as namoradas torciam do lado de fora e a rivalidade entre os dois times era grande. No time da Família nascimento havia um grande entrosamento entre três primos: Israel (17 anos), Jeremias (21) e Pedro (18). O Juiz era o mesmo há muitos anos, seu nome era João Manoel, mas como sempre apitava com cara de preocupado seu apelido era Cara de Jaca, e das laterais as pessoas gritavam:
- Deixe de roubar Cara de Jaca. Ladrão... ladrão... descarado. Há há ha o cara de jaca ficou doido. Cara de jaca tomou foi muito leite de cabra estragado quando era pequeno.


Aos 20 minutos do segundo tempo (a partida durava dois tempos de 25 minutos) o jogo estava um a um. Do nada uma bola sobrou para Pedro na entrada da área, ele friamente dominou e chutou no cantinho. Gol! Os três primos se abraçaram e comemoraram bastante. Carine a namorada do Pedro vibrou muito, esta estava na flor da idade com 17 anos e era uma linda mulata que exalava o frescor da vida, estava apaixonada e vivia seu primeiro amor. Israel não tinha namorada naquela época, ele curtia estar com uma e outra. Jeremias já estava noivo de Luíza e já existia um bebê a caminho, seu pai tinha lhe dado um cantinho de terreno na beira do rio para que ali ele pudesse construir sua casa próxima a família.
Quando o jogo acabou todos correram para o churrasco e as duas torcidas viraram uma só, ali as famílias conversavam bastante dos diversos e simples assuntos da vida. E a tarde foi chegando ao seu fim, o sol foi se pondo, a cervejinha bem gelada não acabava. Alguns homens iam ficando bêbados, outros tomavam uns puxões de orelha de suas mulheres e tinham de ir cedo para casa...e o sol foi raiando sobre o rio com a linda vista da pedra do cavalo. Pedro foi para casa tomar banho para mais tarde se encontrar com Carine, ele tinha uma bicicleta de marca barra circular, o mesmo colocou Carine na garupa para apreciar o rio durante a noite, eles foram ganhando a floresta, a lua, os beijos foram evoluindo, o vestido que ela usava era sedutor, o short que ele usava era escancarado, para eles a noite não tinha limites.  
No dia seguinte a vida continuava e existia um lado duro e impiedoso na realidade dessas pessoas. Seu Samuel, pai de Pedrinho, ganhava a vida criando galinhas e vendendo sucos e ovos na cidade. O sol não tinha pena e cada dia vencido era motivo de muito orgulho para Samuel. Sua esposa se chamava Laurenice, e além de Pedro eles tinham tido a caçula Juliana. Pedro e Juliana iam a escola por conselho do pai, ele lhes recomendava uma vida diferente daquela. Pedro pedalava todos os dias 12 km para ir e vir carregando sua irmã. Dona Laurenice passava o dia cuidando da casa, da comida, das roupas...  era uma mãe muito carinhosa. Samuel todos os dias a noite contava antigas histórias dos tempos de escravidão, essas eram passadas de pai para filho e certo rancor pela burguesia da cidade não morria nunca, o céu era limpo e estrelado. O pai de Jeremias e Israel tinha uma barraquinha na feira da cidade, Seu Mariano tinha uma condição de vida um pouco melhor, ele comprava mercadorias do Paraguai para revender em uma barraquinha na feira da cidade: carteiras, boné, óculos, relógio, blusas, bermudas, pochete, etc. 
No sitio da Família nascimento habitavam aproximadamente 200 pessoas distribuídas entre 12 familias, todos de certa forma eram primos e parentes. Ali existia uma união muito grande e ao mesmo tempo um número de picuinhas insuportáveis. Mesmo com as picuinhas, quando alguém tinha um problema a comoção era geral e todos se uniam para ajudar quem estava precisando. 

Capítulo 2 (só o começo)
Fábrica de Papel,

O anuncio da construção de uma fábrica de papel foi anunciado na cidade. Uma grande confusão de ideias tomou conta de todos, alguns diziam que a fábrica era o fim, para outros marcava a chegada do desenvolvimento. Israel, Jeremias e Pedro passaram por perto para se interar do assunto, no começo pouco se interessaram. Mas a medida que a construção foi evoluindo algumas pessoas que nela trabalhavam começaram a comprar bicicletas bonitas, motos a prestação, televisão, vídeo cassete, etc. E conseguir emprego na construção da fábrica foi se tornando um sonho para todos os jovens da cidade ...

sábado, 1 de junho de 2013

Vozes do além


As vezes paro um pouco para refletir sobre figuras como Cazuza, Elis Regina, Raúl Seixas, Jim Morrison, Janis Joplin e outros. Estes foram artistas que deixaram contribuições preciosas para a música, pois suas melodias tem se mostrado eternas ao longo desses anos. Em contrapartida eles tiveram vidas pessoais conturbadas e “autodestrutivas”, coloquei entre aspas porque não sou ninguém para dizer como cada um deve viver e se expressar. Já outros conseguem compor e viver “bem”: Zé Ramalho, Lenine, Joe Cocker, Vinicios de Moraes, etc. É claro que quem vive muito geralmente demora um pouco mais para se tornar um mito.

Mas o foco desse texto é falar dos artistas “caóticos”. Que tal começar a falar um pouco de Elis Regina? O que mais me chama a atenção em suas músicas é o grito, pois ele é verdadeiro, tenho a impressão que vem de longe e é exageradamente desesperador. Acho que por alguns momentos sua música nos transporta a mundo onde as pessoas se amam, há respeito e a inteligência coletiva existe. A mensagem não vem em forma de paz e sim e de maneira caótica e intensa. Talvez Elis não soubesse fazer contato com essa “realidade” tão distante. É possível que sensações de desespero, impotência, insatisfação tomassem conta de sua vida e esses sentimentos reprimidos se expandissem em forma de música. Mas quem sou eu para saber de fato o que se passava em suas entranhas?



Exemplo de um grande poeta é Cazuza. Acho que muitos brasileiros gostariam que ele fosse um grande líder político, casado e fizesse boas palestras. Em contrapartida ele foi drogado, não tinha papas na língua, era homossexual (para preconceito de alguns) e Aidético. Mas que mensagens Cazuza deixou sobre nosso país? Na minha opinião ele joga água nas mentes adormecidas. Há duas frases que dizem muito sobre sua missão, são da música “O tempo não para”. A primeira:
“ A tua piscina está cheia de ratos, tuas ideias não correspondem aos fatos”.
A segunda:
 “Dias sim, dias não eu vou sobrevivendo sem um aranhão da caridade de quem me detesta”.
E lá vêm os questionamentos: 
Quantas pessoas com a piscina suja de ratos veneramos , “respeitamos” ou toleramos? Não deixe de prestar a atenção nas “aspas” desse texto. Quantos empresários? Quantos parceiros comerciais? Quantos vereadores? Quantos cargos públicos? Quantos prefeitos?
Assim é o mundo das engrenagens, de certa forma devemos fazer parte dele para sobreviver. Mas em que proporção? Completamente cegos e adormecidos? Parcialmente acordados? Ou Completamente despertos e transformando para o bem? É complicado saber exatamente onde nos encaixamos nessas engrenagens em que se atiram pedras nos usuários de maconha (hoje evoluiu para o craque), nos ladrões de coisas baratas, nas prostitutas, etc. O fato é que é complicado e difícil estender a mão para esse lado da sociedade que é fruto das engrenagens que nós mesmos alimentamos.

Poderia escrever bastante sobre Raul Seixas, Jim Morrison e outros. Concordo que o padrão de artista ideal é aquele que consegue o equilíbrio entre esse mundo distante e perfeito com o mundo das engrenagens. Também acho que artistas caóticos não são exemplos de vida a serem seguidos, sou a favor do equilíbrio, do lar, da construção e da felicidade transformadora. Mas acho que não devemos deixar de prestar atenção nas belas mensagens que estes nos deixaram.  Quem sabe assim não podemos fazer um pouco melhor? 




Escrito por Daniel Vidigal