quarta-feira, 31 de julho de 2013

Dona Iranildes



Senhora Iranildes reúne a família todos os domingos para almoçar, mãe de sete filhos e Vó de quatro netos, ela prepara tudo com muito carinho e nesses dias a casa é preenchida de alegria e juventude. Os domingos são os dias mais felizes de sua semana, todos a querem muito, e a ela filhos e neto lhes fazem muito bem. Casou-se com Senhor Itamar quando tinha apenas 16 anos, naquela época era uma moça cheia de vida energias e sonhos. Até vergonha de namorar ela tinha... o casamento com Itamar foi uma paixão louca... primeiro amor.
Em poucos anos a paixão morreu, as flores pararam de brotar e era preciso criar raízes para que o amor viesse a vencer, em prol dos filhos, da família e de sua felicidade o amor venceu. E assim ao longo dos anos ela foi vivendo, onde dos filhos ela não se desligava, a preocupação sempre foi frequente... uma mistura de vida sua e dos outros. As vezes ela tentou se desligar, viajar, até esquecer que tem filhos e marido... mas ali sempre ficou. Nos dias de hoje, ela sempre fica a pensar se os filhos estão felizes nos seus casamentos, se os netos estão estudando, se a pressão do marido está alta ou baixa, se ele tomou todos os remédios... se irá conseguir reunir a família no domingo, etc. Quando a casa esvazia, só resta ela e o marido..ali está ela todos os fins de tarde, sentadinha, assistindo novela e pensando que hora irá ligar para sua filha caçula... pois no fundo ela tem medo de incomodar... a felicidade dos filhos.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

Pião de Trecho---Capítulo 8: São Paulo


A viagem foi muito cansativa, ela durou três dias e muitas vezes o ônibus demorava de chegar nos pontos de alimentação cadastrados pela empresa. Antes de chegar a Cubatão foi necessário passar por São Paulo capital, aquilo foi um novo mundo para Pedro, estava assustado e vislumbrado ao mesmo tempo. Aquele transito, prédios, avenidas eram completamente diferente do que Pedro realmente esperava. Sentia-se acuado, um pouco amedrontado, pararam para fazer um lanche em um posto de Gasolina, o sotaque das pessoas era bem diferente, ele não encontrou o perfil acolhedor das pessoas com o qual estava acostumado em Cachoeira. Pouco depois o ônibus seguiu para Cubatão, chegando lá a vista era horrível, chegou a ser agressivo para a Natureza de Pedro.




Ele notou que os demais poucos de importavam, concentrados estavam no escopo da Obra:

- Daquela torre até aquele tanque será o primeiro Pipe-Way. Só serão 35 Toneladas de suportes.

O ônibus parou em frente a um prédio velho que tinha a vista para outro prédio velho. Então o administrativo indicou que todos descessem do ônibus e lhes entregasse as carteiras de trabalho. Na espera havia outro administrativo responsável pelos alojamentos, com o sotaque de São Paulo ele falou:

-  Como foram de viagem?

- Muito bem, demoramos três dias.

- Aqui o alojamento são oito por quarto. Acabei de comprar lençol e toalha. O restaurante é ali em frente. Vieram quantos nesse ônibus?

- 37 Pessoas.

- Tem vaga para todo mundo. É só mandar eles irem para o terceiro andar e lá vão encontrar as camas prontas e as chaves dos armários.

- Onde é que tem um lugar para tomar uma gelada, não aguento mais ficar na água.

- Boteco com gelada aqui é o que não falta.

Pedro pouco tinha conversado e se enturmado no ônibus. Subiu até o terceiro andar e escolheu uma cama. Quando sentou na cama pensou em voltar.



Olhou a sua volta, todos estavam animados com a chegada:

- Vamos fazer os exames só amanhã. Hoje é dia de procurar lugar para tomar uma bem gelada.

Ulisses teve a preocupação de procurar Pedro e perguntar como ele estava:

- Como tá garoto? Gostou?

Pedro assustado respondeu:

- Mais ou menos, não era isso que eu tava esperando.

Então Ulisses que sabia que não poderia aliviar, respondeu:

- Pedro, aqui tu tá para ganhar dinheiro. Mas tem que me ajudar no serviço.

Pedro sentiu uma confiança muito grande nas palavras de Ulisses, diferente de Otamar ele inspirava o verdadeiro respeito e compromisso com as obrigações que o trabalho iria exigir.

- Eu tenho um filho da tua idade, sabia? Os administrativo vão cuidar de tudo. Se tiver algum problema pode me procurar, Pião da minha equipe não passa aperreio.

Ele se sentiu mais confortável com a presença de Ulisses, então a noite comeu um bom prato de comida, ligou para o orelhão de sua rua para falar com Carine, chorou de saudades e dormiu.

domingo, 28 de julho de 2013

Encontro





Perdidos,
Nos encontramos,
E agora...
... Juntos,
Trilhamos.

Escrito por Daniel Vidigal,






 — com Melina Sales.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Fotos

 
 
 
 
 
 
A imagem mais linda,

Não está no facebook,

Nem no Orkut,
...
É linda e intensa pessoalmente,

Van Gogh teria que voltar a pintar,

Para reproduzir a energia e a intensidade...

dos seus olhos.

Escrito por Daniel Vidigal Inspirado em Melina Sales

domingo, 21 de julho de 2013

Pião de Trecho --- Capítulo 7: O Trecho






O meses foram passando e as dívidas de Pedro só aumentavam, não conseguia de jeito algum equilibrar os gastos com as receitas. Seu casamento foi se tornando uma bomba, brigavam praticamente todos os dias:
- Que culpa eu tenho se fui demitido. Tu acha que eu queria essa falta de dinheiro? Tu acha que eu gosto de olhá pá cara do gerente nojento do banco, que só fala enrolação e me dá mais juro?
- Eu não saí de casa para viver esse inferno- respondia Carine.
Seu Samuel tentava intervir, mas Pedro não o escutava. Sem dinheiro e falta de habilidade para lidar com a situação o casamento estava por um fio. Ele tinha apenas vinte anos e ela dezenove. No intuito de relaxar ele começou a tomar cachaça todos os dias e sempre que podia jogava uma sinuquinha com Israel. A reaproximação com o primo foi inevitável, adepto dos trabalhos informais, estar com ele era como uma fuga, um convite para se desligar da realidade. Quando Pedro chegava em casa bêbado, uma nova briga explodia com Carine. No dia seguinte ele ia trabalhar amargurado: limpava terrenos, trabalhava de pedreiro, carregava caminhões, colhia laranjas, etc. Ficou com fama de grevista e não conseguia assinar a carteira em outros lugares. Sua luta sempre lhe permitiu que não faltasse comida em casa, viveu um grande estresse, mas de maneira alguma passou fome. A família de Carine começou a falar mal dele:
- Menina, cuidado para não virar homem de farra e te deixar com as duas crianças. Homem quando fica desempregado e começa assim, é só ladeira abaixo.
Pedro estava a ponto de explodir com tanta pressão, tudo ao seu redor ia contra ele, mas o mesmo também não conseguia direcionar as energias para as coisas certas.
Certo dia ele estava jogando sinuca com Israel e um homem se convidou para jogar. Era um homem de seus cinquenta anos e tinha o semblante bem cansado, seu nome era Ulisses. Juntos os três foram tomando cachaça e conversando futilidades. Até que uma hora ele perguntou para Pedro:
- O que faz da vida?
- Trabalhava nas obra, mas agora to desempregado e vivo do que aparece para eu fazer.
- Aqui tem pouca obra, num presta não. Tú tem sangue no olho para viajar e trabalhar fora. Sou da montagem industrial. Amanhã a tarde saio com toda a minha equipe para Cubatão em São Paulo, vai ter uma ampliação lá. To precisando de mais um pião para ir cumigo. Tu tem carteira? Quer vir?
Pedro ficou calado. Então Ulisses completou a proposta:
- Lá com as horas extras dá para tirar dois salários. Bem facinho.
Então Pedro que estava carregado de ódio, cansado e disposto a manter o padrão de vida, respondeu:
- Tô dentro.
- Você tem que tá amanhã cinco horas da tarde de mala arrumada na rodoviária.
Naquele momento Pedro queria que toda a família de Carine soubesse o quanto ele é bom, ele sim sabia conseguir os empregos... iria voltar a pagar as contas, de maneira alguma tinha medo do mundo, conhecia outros homens que viajam e pagavam todas as suas prestações.Como o casamento não ia bem e estava emocionalmente distante dos filhos, o dinheiro estava em primeiro plano. Chegou em casa bêbado naquele dia, por isso deixou para dar a noticia para Carine no dia seguinte. Quando ele acordou, a primeira coisa que ela disse:
- São oito horas já. Trabalha mais não?
- Arrumei foi empregão, vou tirá dois salário. Vou hoje de tarde para São Paulo.
- Mas Pedro, tu tá sendo afobado. Eu posso procurar trabalhar também. Tem muito restaurante aí precisando de menina boa.
- Mulhé minha num trabalha não, fica em casa cuidando dos meus filhos.
- Deixa de ser abestalhado. Tu vai cair nesse mundo, sendo que podemos resolver tudo por aqui.
- Vou me embora hoje as cinco horas da tarde.
Então Carine percebeu que todos os seus argumentos seriam em vão. Ele estava resolvido a viajar, estava tomado por algum ódio que ninguém, nem ele mesmo, conseguia explicar. No fim da tarde ele ficou um pouco reflexivo, nunca na vida tinha visto aquele homem, sequer sabia como era São Paulo... apenas se lembrava de algumas cenas de novelas. Olhava para o filho, para a filha...
As quatro horas em ponto ele estava na rodoviária com Carine e as duas crianças, Tiago chorava sem parar, de algum modo ele sabia que seu papai iria para longe. Gabriela estava apenas com quatro meses. Aos poucos outros trabalhadores foram chegando com suas esposas, eles conversavam sobre o escopo da obra em Cubatão:
- Lá serão duzentas tonelas de tubulação e noventa de estrutura.
- Negativo companheiro, ali serão  trezentas de tubulação e cento e quarenta e cinco de estrutura.
- A Dupond Construtora pegou parte dessa obra também.
- Acho que eles vão entra com o suporte...
Pedro observou de longe aquela conversa, mas pouco sabia do que aquelas pessoas falavam. Encima do horário o ônibus contratado pela empresa chegou, havia uma grande faixa “ Klan Engenharia”. Um rapaz perguntou bem alto:
- Todo mundo aí sabendo do salário e com as carteiras nas mãos?
Todos deram sinal de positivo, Carine fez uma última tentativa:
- Pedro não vá, por favor.
- Tchau, vou vencer lá em São Paulo. Vou voltar com dinheiro, será por pouco tempo.
Quando Pedro estava entrando no ônibus, Tiago que já tinha quase dois anos, pronunciou doces palavras:
- Papai...dimbora não papai...dimbora não papai.
Os olhos de Pedro se encheram de lágrimas, mas ele reprimiu o choro e entrou no ônibus. Estava um pouco cabisbaixo. Então um homem puxou conversa com ele:
- Primeira vez que cai no trecho?
-É.
- Ra Ra Ra, depois você acostuma. 
Dentro do ônibus todos conversavam a respeito de toneladas, firmas, estrutura, Gerentes. Pedro observa a Vila que tinha sido criado, agora ele estava indo para bem longe. Carine ficou apavorada com as duas crianças na rodoviária. O choro de Tiago era estrondoso, Gabriela nada entendia... e para longe Pedro viajava.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Pião de Trecho --- Capítulo 6: Desempregado


No dia em que foi demitido Pedro olhava o rio, as arvores, sequer sabia com que cara iria chegar em casa. O dinheiro já estava curto com o emprego... agora desempregado o mesmo não tinha tempo de processar o ocorrido. Aquele foi seu primeiro trabalho e com ele havia estabelecido a projeção de uma nova vida. Pensava em sua vida gostosa de casado, em Carine grávida de novo, no Som, no fogão, na geladeira, no sofá... naquela casinha arrumada, mas ele precisava estar trabalhando para manter todos aqueles sonhos. Suas responsabilidades e obrigações lhe pesavam como uma navalha. Um sentimento de ódio de Otamar e Aluízio tomou conta dele, se arrependia de ter subido naquele palanque, mas vida de pião é assim, não é dono de empresa, um dia pode estar trabalhando o outro pode estar na rua. A ideia de Carine grávida. Há! Essa era a pior de todas, a chegada de cada eletrodoméstico em sua casa, dos presentes comprados para seu filho.  O termo utilizado para a demissão do pião de trecho é “amarrar a lata”, a primeira amarração de lata o pião nunca esquece. Chegando  em casa deu a noticia que fora demitido, sua esposa teve sensações parecidas e de desepero... mas foi mais sábia que ele e lhe instruiu que mantivesse a calma, haviam direitos a receber até trabalhar de novo. Poucos dias depois ele recebeu todo o dinheiro do seu processo demissional, a grana era boa, mas a sensação de desemprego dilacerava sua auto-estima. E as prestações dos móveis e dos eletrodomésticos eram pesadas. Em poucos meses após a demissão nasceu sua filha e deram lhe o nome de Gabriela, a alegria tomou conta da casa, um bebê animava os ânimos de todos, mas os compromissos permaneciam. Até que a grana  acabou, então ele virou um leão e começou a ganhar dinheiro com o que aparecia, sua experiência em obras lhe permitia um número grande de trabalhos informais, mas esse dinheiro não era suficiente para equilibrar as contas, pois haviam muitas prestações. Carine percebeu que o problema de todo aquele desgaste estava nas contas atrasadas dos bens materiais, então lhe sugeriu que tudo fosse vendido e assim poderiam viver com pouco, mas em paz, ela escutou:
- Tá doida, vamo andá pá trás é mulé? Já já eu acho outro emprego, daqui de casa num sai nada, é tudo nossas conquista.
Em pouco tempo Pedro se tornou estressado e pouco carinhoso, trabalhava demais e a instabilidade financeira acabava com ele. Ele tinha certeza que a qualquer momento um novo emprego bom iria aparecer. Um dia ele foi pedir dinheiro emprestado ao seu primo Jeremias e escutou:
- Pedro, tu nem um sofá milhó que o meu, tua televisão é colorida... tú que se livrar das divida? Vende tuas coisa.
Por algum motivo na mente de Pedro ele achava que Jeremias tinha a obrigação de arcar com suas dívidas. O mesmo saiu em direção ao rio nervoso  e inconformado, lá tomou um banho para ver se passava o estresse, em vão. Diferente do primeiro filho, agora era um pai emocionalmente um pouco mais distante com Gabriela.  

domingo, 14 de julho de 2013

Pião de Trecho --- Capítulo 5: As consequências


Pedro quando chegou em casa explicou a família o ocorrido, o mesmo tinha sido corajoso em lutar pelos seus direitos, a partir daquele dia os exploradores nunca mais iriam deixar de pagar, tinha passado a conhecer a força do trabalhador, o Jorge iria lhes defender para sempre. Seu pai Samuel que pouco sabia de trabalhos de carteira assinada, mas muito sabia da vida informou que o mesmo se precipitou:
- Filho, você deveria ter tido um pouco mais de paciência, esses sindicalistas viajam o país atrás de bagunça e depois vão embora. Nois do campo devemos lutar pelos direito, mas também devemo cuida do nosso ganha pão, filho acho que você foi um pouco inocente.
Pedro tentou argumentar de todo jeito para seu pai, sua irmã escutava tudo com muita atenção, mas não conseguiu convencer. Samuel finalizou a conversa:
- Agora só resta rezar a Deus.
No dia seguinte todos retornaram ao trabalho como se nada tivesse acontecido, a secretária de Aluízio avisou que poderiam sair ao meio o dia com o cheque em mãos e recolher o pagamento no banco. O Gerente regional, Rodrigo, que era chefe de Aluízio estava na obra naquele dia, ele não aceitava a greve mesmo com o atraso do pagamento.
- Aluízio, que porra de controle é esse que você tem sobre seus funcionários, que apenas quatro dias de atraso são suficientes para uma paralisação? Que caralho de chefe de obra você é?
- Fui surpreendido, o Sindicato apareceu aqui sem avisar, sequer nos deu uma chance de negociar. E rapaz, o pior de tudo, vocês pagaram depois da paralisação, fica parecendo que só funcionamos sobre pressão. Sinceramente é muito complicado segurar essa turma com atraso de pagamento. ..
Ficaram discutindo nessa linha durante uns cinco minutos, o sindicalista Jorge seguiu para o sul da Bahia para realizar novas fiscalizações, em cada obra o mesmo tinha seus informantes e isso facilitava as paralisações. Otamar circulava do lado de fora da sala, o mesmo dava tudo por saber o que aqueles dois conversavam. Ele bem oportunista, bateu na porta e entrou:
- Bom dia Seu Engenheiro, agora eu quero saber o que vamos fazer com os grevista? Bota para trabalhar ou coloca eles para a rua.
Rodrigo se interessou pelo assunto e perguntou:
- Como assim grevistas?
- Esses menino aqui da região, foi quem fizeram a greve, tudo grevista, não gostam de trabalho não, é só dor de cabeça.
Aluízio ficou pensativo e deu sua opinião:
- É verdade, todo o movimento de paralisação foi realizado por um menino da região que eu mesmo contratei, devemos fazer uma limpeza.
- Tudo bem, Aluízio agora não é momento de demitir grevistas, deixa a poeira baixar e você os demite como corte de gastos, assim terá tempo para melhorar a sua equipe. Você tem 45 dias- finalizou Rodrigo fechando sua pasta e indo embora.
Cada dia de trabalho era terrível para Pedro, assim como Samuel tinha alertado o sindicalista Jorge ganhou o mundo e nunca mais apareceu, a vulnerabilidade em relação ao patrão voltou ao normal, o comportamento estranho do encarregado Otamar o assustava. Sua vida já era cheia de compromissos e para complicar ainda mais sua situação financeira Carine estava grávida de novo. Ele se arrependia todos os dias de ter subido naquela pampa discursar. O engenheiro Aluízio não falava mais direito com ele e isso também o preocupava.
Exatamente após 45 dias do término da greve Pedro e todos de Cachoeira da equipe de Otamar foram demitidos. No dia seguinte os substitutos chegaram, todos eram de Santo Antonio de Jesus, a mesma cidade de Otamar. Em poucos meses a situação financeira da obra voltou ao normal, o sindicalista Jorge se elegeu deputado estadual e Pedro ficou desempregado com três bocas para alimentar. Pela primeira vez na vida sentiu de verdade o peso, a crueldade e as injustiças que o mundo reserva a algumas pessoas. 

terça-feira, 9 de julho de 2013

Pião de Trecho --- Capítulo 4: Greve


Tiago o primeiro filho de Pedro tinha nascido e Carine já esperava pelo segundo neném, a vida de casado tinha as suas dificuldades, porém, havia vários aspectos compensadores... Ela era uma esposa muito carinhosa e preparava um lanche bem gostoso todos os dias no final da tarde. Ele por sua vez tinha pique para chegar em casa e brincar com o filho, o nascimento da criança tinha iluminado aquele lar e era um grande combustível para que eles superassem as dificuldades de uma vida a dois. Fim de tarde era hora de olhar o rio com a criança e passear pelas ruas. Carine conseguiu concluir apenas o segundo grau na escola, pois tinha muita responsabilidade em casa.
Jeremias com duas crianças em casa tinha um pique parecido, porém, a inconstância da feira o deixava com uma instabilidade financeira um pouco maior. O nome de seus filhos eram Julio e Marina, estes sempre brincavam juntos com Tiago, principalmente na beira do rio.
Israel bebia quase todo dias e pouca atenção dava ao seu filho Paulo que tinha nascido, tinha um bom coração, mas não conseguia rumo na vida, não parava quieto com uma mulher e trabalho estável nem pensar. Mas continuava o garoto bom e amigo de todos os primos. O casamento, as responsabilidades e as novas amizades tinham deixado os três um pouco mais distantes, mas o vinculo familiar continuava forte.
O ano de 1994 era ano de eleições e os sindicatos em geral estavam fazendo muita fiscalização nas obras. Os trabalhadores da fábrica de Papel eram vinculados ao SINDCELL, Sindicato dos trabalhadores do ramo de celulose, este vinha sofrendo influência política de alguns partidos de oposição. O encarregado Otamar era amigo do presidente do Sindicato e tinha lhe comunicando tudo o que acontecia de errado no empreendimento. Em maio daquele ano o pagamento dos trabalhadores da fábrica de papel estava atrasado três dias e não tinham previsão para solucionar o problema. Pedro estava contando com o dinheiro para fazer a feira e ajudar seu pai, o salário nunca tinha atrasado e o mesmo já estava quase passando fome junto a família e seu pai.
Otamar comunicou ao presidente Jorge do Sindicato que o ambiente de trabalho era favorável a uma paralisação. Aluízio estava muito preocupado com a situação, o dinheiro simplesmente não saia e a empresa lhe dizia calmamente que ele tinha que esperar. Otamar bem traiçoeiro dava conselhos ao engenheiro:
- Senhor Engenheiro manda sair logo esse pagamento, os pião tá tudo doido, to preocupado bastante.
E ao mesmo tempo por telefone indicava ao Sindicato:
- O negocio aqui tá feio, os pião tudo passando por necessidade, e os homi nem aí. A gente precisa de ação já, só parando para esses homi resolver nosso problema.
Então no dia 08 de Maio de 1994 o sindicato estava na entrada da obra com uma pampa e um grande auto falante no fundo, o presidente iniciou o discurso:
- Trabalhadores, bom dia, é com muita honra que tenho o prazer de estar aqui com todos vocês nesse momento tão complicado, pois é de meu conhecimento que o Patrão os obriga a trabalhar para no fim do mês não querer pagar. Senhores isso é verdade?
E coro levantou a voz:
- Éeeeeeee.
- Por tanto senhores eu que ando quarenta anos em obras, nesses trechos, eu que tenho visto homens como esses donos dessa fábrica de papel enricarem com o suor dos trabalhadores, percebo que uma ação mais drástica deve ser tomada. Todos nós sabemos que as riquezas do Patrão é fruto do sangue que o trabalhador doa no campo. Nossas peles são abençoadas por Deus, só os guerreiros aguentam o sol do meio dia, quando sacos de cimento devem ser carregados, a massa deve ser misturada, os tijolos devem ser colocados...
Nessa linha o presidente do Sindicato foi discursando, os trabalhadores foram ficando emocionados com as palavras do Presidente Jorge, naquele momento eles tinham a impressão que podiam tudo, que eles mesmos eram os donos das fábricas. Os gritos agressivos ao Engenheiro Aluízio eram aplaudidos, um sentimento de justiça, de trabalho, a raiva pelo atraso, tudo ia tomando conta dos trabalhadores. Pedro escutava tudo, o mesmo estava passando fome, e naquele momento o Engenheiro Aluízio e a empresa eram as piores coisas que existiam, ninguém sabia que seu Samuel seu pai também estava passando fome, seu filhinho tinha tomado pouco leite naquele dia, o leite tinha sido dado por Jeremias. Uma grande emoção foi tomando conta de Pedro, as pessoas precisavam saber o que estava acontecendo de verdade, aquele herói corajoso que jogava palavras agressivas contra Aluízio precisava saber o que se passava com ele. Foi então que tomado pela emoção ele praticamente tomou o microfone das mãos de Jorge e iniciou seu discurso:
- Gente, meu filho só teve leite hoje porque meu primo pagou ao leiteiro um litro para mim, eu to comendo pão dormido, meu pai queria minha ajuda mas num teve. Tá todo mundo lá em casa precisando desse dinheiro, minha mulher teve que ir na casa da mãe pagar um cacho de bananas. Nois temo que entender o que? Que a empresa tá com problema de banco, temo é nada. A empresa tem que pagar logo todos nós, se não nois vai passar fome.
Então Jorge fez um gesto indicando uma foto ao fotografo do sindicato, pegou novamente o microfone e se pronunciou:
- Pessoal, eu quero saber quem o Patrão que vai explorar trabalhador aqui hoje? Eu quero saber quem é o trabalhador que produzirá riquezas em vão? Eu conheço a força de vocês, conheço o grito da conquista... quem será explorado aqui hoje que fique em silencio.
Falou num tom forte e contagiante,  os trabalhadores responderam:
- Vamos para casa.
Em menos de cinco minutos não havia mais ninguém em frente a obra. 

terça-feira, 2 de julho de 2013

Pião de Trecho --- Capítulo 3: O Curso da Vida


A vida continuou boa para Pedro, pois apesar do trabalho árduo ele estava em casa todos os dias e tinha tempo para o futebol e a namorada. À medida que foi ganhando dinheiro sempre ficava de olho na compra de coisas que nunca tivera acesso. Primeiro ele colocou na cabeça que iria comprar uma televisão de dez polegadas para colocar em seu quarto. Pagou a primeira prestação e dividiu o restante em doze vezes, quando a trouxe para casa todos os vizinhos se aglomeram para ver a chegada, este estava muito orgulhoso de sua nova conquista, pois a televisão era de imagens coloridas e a outra que havia em sua casa era pequena e as imagens eram em preto e branco. Pedro decidiu que a televisão ficaria na sala e aquele seria um presente para a família.
Carine continuou na escola e à medida que seu namorado ia se firmando no emprego seus sonhos iam se tornando mais palpáveis, Pedro era um rapaz muito bom e agora trabalhando ela já pensavam em casamento. A camisinha e a preocupação por gravidez foi ficando de lado por ambas as partes, a coragem de enfrentar uma vida a dois foi aos poucos se tornando real.
Na obra tantos nos dias de sol como nos dias de chuva o encarregado Otamar não aliviava para ninguém. O ambiente na obra era extremamente competitivo e como Otamar haviam mais três encarregados:  Cirio, Iran e Ulisses. Todos eram de cidades distantes a cachoeira e faziam de tudo para convencer o Engenheiro Aluizio que a mão de obra local não era boa, o objetivo dessa articulação era trazer parentes e amigos de suas cidades. Cirio era de Salvador, Iran de Nazaré das Farinhas, Ulisses de Santo Amaro e Otamar de Santo Antonio de Jesus.  Por esse motivo Pedro não podia vacilar. Ao comando de Otamar havia 16 pessoas, sendo que sete eram Santo Antonio de Jesus, quatro eram de cachoeira (incluindo Pedro) e os outros cinco eram de Salvador. Os sete que eram mais ligados ao encarregado se aglomeravam e se comportavam como uma “panelinha“. Entre eles e o encarregado Otamar os erros eram toleráveis, se o mesmo erro acontece com alguém de fora da panelinha a punição era maior. Pedro era um menino inteligente e notou que de nada adiantava bater de frente com Otamar e seu grupo, ele foi aos poucos ganhando a confiança do feudo, mas em momento algum Otamar tirava a mira dos demais garotos, sempre dizia ao Engenheiro Aluízio:
- Esses meninos aqui da região são muito folgado, deixa eu traze meus meninos de Santo Antonio e você vai ver o que é trabalho.
O engenheiro escutava desconfiado sem emitir nenhuma opinião a respeito do assunto. Otamar tinha uma visão estratégica da obra e seus interesses na maioria das vezes eram pessoais. Era o encarregado mais próximo a Aluízio e o que conseguia os recursos do empreendimento com mais facilidade. Sua palavra era quase que lei para o engenheiro, o mesmo se sentia ajudado pelo encarregado e não enxergava as picuinhas que ele gerava no ambiente de trabalho.
Pedro fez bons amigos no empreendimento: Isac era de outro bairro de cachoeira, assim como ele estava em seu primeiro emprego e também queria comprar eletrodomésticos para a sua casa. João era de Nazaré das farinhas e estava ali por indicação do encarregado Iran. Josias era de Cruz das Almas que ficava a uns vinte quilômetros do empreendimento, ele ia e voltava todos os dias. O futebol de Pedro que era familiar aos poucos mudou um pouco de foco, pois o pessoal da obra sempre marcava para jogar os domingos pela manhã, Pedro foi permitindo que esse novo mundo invadisse sua vida e foi se afastando aos poucos dos primos Israel e Jeremias. O garoto no horário da noite não queria mais saber de escutar as estórias do seu Samuel, preferia na maioria das vezes tomar uma cervejinha com o pessoal da obra. Más ele nunca perdeu de vista em ajudar a sua família com parte do salário.
Pedro ganhou de seu pai um terreno na beira do rio e aos poucos ele foi construindo. Em um fim de semana quando precisou bater lajem para a construção da casa todos na vila o ajudaram... Pedro tinha se tornado um pouco interesseiro, pois passou a não ter tempo para os outros quando alguém precisava dele.
Jeremias foi perdendo o interesse em trabalhar na fábrica de papel, uma dura realidade se aproximava de sua vida que era o nascimento do primeiro filho, este se ofereceu para ajudar seu Mariano em troca de um pequeno salário, mas seu pai fez diferente, lhe deu uma pequena quantidade de dinheiro para que ele pudesse comprar e revender mercadorias. Jeremias mostrou grande habilidade para comercializar e em pouco tempo já tinha uma barraquinha na feira, na qual o sustento de seu filho estava garantido. Era uma vida estressante de muita preocupação, pois o salário no fim do mês não era certo e o dinheiro circulava em sua frente, mas se o mesmo não rendesse acabava. A flexibilidade era um pouco maior, os horários eram os da feira e apesar de acordar cedo todos os dias, quando era de tardinha o mesmo já estava em casa e como dono do negócio era dono do seu tempo. Diferente de seu pai ele tinha ganância (também queria eletrodomésticos) e trabalhava muito mais. Este como Pedro passou aos poucos a ajudar seu pai que não acompanhava o embalo do filho.
Israel pouco queria saber de trabalho e compromissos fixos, seu foco era mulher, farras, bebidas... sempre que podia ele ganhava dinheiro capinando terrenos, fazendo serviços de pedreiro informalmente, ajudando seu pai, etc.
Nesse ritmo as vidas de Pedro, Israel e Jeremias foram tomando seus rumos. Pedro se casou e em pouco tempo Carine engravidou. Jeremias engravidou Luiza pela segunda vez. Israel fez um filho em uma menina da vida, quanto mais velho ficava mais irresponsável se tornava.