quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Chegando no Trabalho





Chegada em obra, muita gente, movimento, brincadeiras, pessoas alegres e tristes. Hoje um senhor de semblante simpático e puro me mostrou uma foto, era de um político muito famoso, me perguntou se eu conhecia a estória daquela figura pública.

- Não- lhe respondi.

Ele me contou brevemente e com muita atenção eu escutei. Depois ele me perguntou se eu admirava aquele político.

- Não- foi a minha resposta.

Daí ele me perguntou, então quem é que você admira. Fiquei sem resposta por um tempo, mas aí olhei aquele senhor, a pele bem queimada, eram cicatrizes fortes de uma vida de trabalho, as mãos ( que eu tinha conferido com aperto ) era crespa e coesa, outras mascas de uma vida de trabalho. Nos seus olhos haviam uma grande expectativa na minha resposta. Lhe respondi:

- Admiro o senhor, que acorda cedo, ganha a vida honestamente, mesmo com todo o peso do mundo sobre você, está aqui, nesse horário, com uma energia muito boa. Me espelho em pessoas como o senhor.

Ele sorriu e disse:

- Obrigado!!!

Imagem disponível: http://contextoshistoricos.blogspot.com.br/2012/03/teste-seus-conhecimentos-sobre-o-estudo.html#

domingo, 14 de setembro de 2014

Dias de descanso






Recebi o convite para passar uns dias no campo na casa de um amigo, o Jairo, ele insistiu muito e me disse que eu estava precisando de descanso. Sempre fui urbano, gostei de cinema, bares, shopping e diversas opções que envolvam dinheiro para o divertimento. Mas como concordei que estava realmente cansado e precisando de novos ares, topei. Nunca durei muito com nenhuma mulher, me aproximo dos quarenta anos, a verdade é que o tempo passou tão rápido que nem sei se realmente eu quero me casar ou algo do tipo. Adoro minha liberdade, tenho um lado esportista também, sou adepto do tênis. Não tenho muita profundidade nas amizades, me comunico fácil, mas não crio raízes. Peguei o carro em um sábado de manhã, nesse dia tão especial da semana parece que o asfalto se torna mais leve, é gostoso preparar meu café com torradas e suco de laranja. Parei em um posto de gasolina e verifiquei as partes básicas de mecânica do meu carro. Segui ao interior de São Paulo, eu liguei o som, mas foi a primeira coisa que notei que ia me ajudar, desligar e escutar o barulho do vento dentro do carro. O lugar não era exatamente fácil de chegar, em quantas mais ruas eu entrava, mas estranho me sentia, longe do oceano de cimento.
Cheguei na vila da cidade com muita fome, procurei por todos os cantos e encontrei apenas um restaurante, quando entrei não havia ninguém, apenas um som tocando Pena Branca e Xavantinho, mesmo assim sentei-me e esperei. Uns cinco minutos depois um senhor mal humorado apareceu perguntando o que eu queria. Comi arroz com galinha, a comida era leve e gostosa, tudo era bem diferente do que eu estava acostumado, parecia que o tempo passava mais devagar para o dono daquele pequeno restaurante. Na cidade entrei em uma rua e rodei mais sessenta quilômetros, sem ver sinal de civilização, até chegar a fazenda do meu amigo.
Na casa não havia sinal de celular, apesar de bonita e aconchegante, algo me deixava inseguro naquele ambiente, pois eu sempre estive acostumado com a jaula urbana. O carro, o muro do condomínio, essas coisas. Ali não, qualquer um pode entrar, qualquer pessoa que quiser pode vir de São Paulo e ingressar naquela residência. Muito desconfiado fiquei, mas comecei a pensar nos ganhos do repouso. O caseiro prontamente me recebeu com sua esposa, sua casa ficava a três quilômetros da casa principal da fazenda, ele tinha feito todo o trajeto em uma modesta carroça guiada por uma égua de porte bem bonito.
 “ Bom dia Senhor, imagino que esteja cansado da viagem, já almoçou? Sim, que bom, esse restaurante é muito bom mesmo, mas não se compara a comida da minha esposa, o patrão me pediu para lhe tratar da melhora maneira possível, imagino que queira dormir, há certo, então no fim de tarde estamos de volta para lhe preparar um café”.
 Aquelas pessoas foram super receptivas comigo, elas tinha um semblante tranquilo e pouco agressivo, mas eu notava que eram eles que não se sentiam a vontade comigo. Eles foram para casa, fiquei observando aquela imensidão, sentindo aquele ar verde, o Jairo me deu um dos melhores quartos da casa, a cama estava muito bem preparada, a casa era toda feita de madeira, qualquer barulho na casa fazia um eco muito grande, ali ventava modestamente, observei aquela vista de final de tarde e dormi profundamente. Acordei no dia seguinte, dormi 16 horas seguidas, talvez um novo recorde na minha vida, acordei em torno de oitos horas da manhã,  fazia aquele frio gostoso de começo de dia. Já estavam de prontidão na varanda o Getúlio e sua esposa.
“ Você como todos da cidade quando chegam aqui, dormem como ninguém, estivemos aqui ontem, mas você apagou e sequer fechou a casa, mas aqui não tem problema, a gente deixou um bolo, caso você acordasse com sono de noite. Você está prestes a comer um dos maiores cafés de sua vida, Jandira mãos a obra”.
Sentei-me na mesa e fiz de tudo para ser o mais agradável e educado possível, a Dona Jandira cortou um grande pedaço de queijo caseiro e colocou no em um fogão de chapa, tirou da geladeira um suco de laranja, tostou pão caseiro para mim e colocou água ao forno para preparar-me um café.
“Tudo vem  da fazenda principal, na casa do pai do Jairo, onde existem os negócios, essa fazenda aqui é só para lazer, eles mandaram grande quantidade de comida de primeira, porque sabiam que você estaria aqui, nós carregamos o Jairo no colo, quando eles eram pequenos estavam aqui praticamente todos os fins de semana, temos filhos da idade dele, mas cresceram e optaram pela vida na cidade. Agora e mim e a minha esposa, nos resta essa tranquilidade. Ficamos felizes quando pessoas boas aparecem”.
Eu não sabia se eu me enquadrava entre as pessoas boas, na maneira deles me avaliarem, queria me sentir cem por cento a vontade com eles, mas não conseguia. Eu nunca tive empregada em casa, e para mim pessoas que limpavam e arrumavam meu kit net, eram como uma rápida passagem, onde eu dava no máximo um bom dia e sabia que tinham que limpar bem o quarto, pois eu pagava em dia o condomínio. Naquele caso, os caseiros eram da casa, eram parte daquilo, eram emoções raras para mim lidar.
“ Você monta a cavalo? Não? Sem problemas, vou lhe mostrar a fazenda. Vamos”
A fazenda tinha grandes extensões de verde e apenas algumas arvores soltas por ela, no seu centro havia um pequeno lago com área para churrasco e laser, uma hora chegamos ao alto de um morro e dali pude ver a imensidão daquelas terras, aquele deserto verde me causava profunda paz e ao mesmo tempo certo temor, pois eu nunca estivera tão longe da cidade, longe de pessoas em volume. Depois do passeio eles prepararam um almoço e deixaram um lanche para mais tarde e se despediram. Eles ficaram de voltar no dia seguinte para preparar o café. Cochilei um pouco e fiquei horas olhando a fazenda da varanda. Dali pude ver o sol se por, a medida que ia escurecendo, o ambiente foi me dando novamente certo medo. No dia anterior eu tinha apagado, já ali, o sol tinha ido nas fuças do meu nariz, mas foi lindo. Dali era possível ver  todas as estrelas, a noite no campo é filarmônica, os gritos cantam, o vento bate, pássaros desconhecidos cantam. Era maravilhoso, mas ao mesmo tempo me sentia completamente fora de mim. Pensei em ir até a casa do caseiro lhes fazer companhia, mas era longe demais para encarar a caminhada aquela hora. A casa não tinha televisão, acendi as luzes da varanda e entrei. Com a curiosidade aguçada comecei a olhar detalhes em todos os aposentos. Fotos, objetos, aquela casa era maravilhosa para estar abandonada, ali estava a estória de uma família, naqueles objetos percebia-se os dedos profundamente apaixonados de uma mãe. Deitei no sofá e dormi.
Não recordo exatamente o que estava sonhando, era de madrugada quando comecei a ouvir passos invadirem toda a casa de madrugada. Havia alguém na varanda, como a casa era de madeira, o barulho ecoava tremendo tudo. Naquele momento uma grande quantidade energia foi liberada ao meu corpo, mas me tranquilizei e pensei, o único que pode estar por perto é o Getúlio. Me levantei, me aproximei a uma das portas e gritei pelo seu nome, os passos pararam e tive o silencio como resposta. Me recolhi, decidi não falar mais nada e fiquei esperando, em torno de trinta minutos depois os passos voltaram. Eu me perguntei o que é que eu tinha ido fazer naquele fim de mundo, sem celular e com alguém afim de fazer terrorismo com o meu juízo. Pensei em poucas horas em vários projetos de vida, na minha solidão, em viagens, em casamento, mas era tarde. Agora um louco atormentava meu juízo.  Bateu com muita força na parede da casa, tudo tremeu e eu chorei. Olhei para a cozinha, peguei uma grande faca, procurei alguma arma na casa, pensei em gritar, mas nada. Olhei para o relógio, vi que duas horas tinham se passado, disse alto que em pouco o senhor Getúlio estaria ali, que o dia ia raiar. Voltei a ter o silencio como resposta. Pensei na possibilidade daquilo ser tudo ser arte do senhor Getúlio. Em torno de cinco horas da manhã, ainda era escuro, não aguentava mais aquilo, estava estressado e desesperado. Abri a porta principal da casa com um chute e um facão na mão decidido a enfrentar quem quer que estivesse ali. Me deparei com um monstro, me encarando firmemente nos olhos, era grande e volumoso, os poucos segundos que nos encaramos foram eternos, pois aquele olhar era o mais coeso e sincero que já tinha visto, em contrapartida ao meu, histérico e fraco. Mas logo caiu a ficha, era uma vaca. Como um louco comecei a rir de mim mesmo, bem alto. Cinco e meia da manhã vi de longe seu Getúlio e a dona Jandira se aproximarem em sua carroça.
“ Vixe, essa vaca de novo, ela tava sumida, ela gosta desse canto aí da casa, nunca tinha visto vaca gostar de varanda de casa. O pessoal da cidade não gosta de acordar cedo, há levou um susto com a bichinha, bem vindo ao campo”

 Era meu último dia ali, tomei um café delicioso e comecei a me sentir mais vontade com eles, aquela vaca tinha me deixado mais gente, não sei se é loucura mais foi assim que me senti. Decidi procurar o ponto mais próximo onde pegava celular, cancelei todos meus compromissos e pedi ao Jairo para ficar mais uma semana. Aquela solidão se tornou maravilhosa. Peguei um velho caderno dentro da casa e me dediquei a escrever um novo projeto de vida, fazer desenhos como uma criança no jardim de infância, caminhar por horas naquele verde maravilhoso. A noite se tornou maravilhosa, aquela sinfonia me tranquilizava a alma. O dia de partir chegou, fui a cidade e comprei uma lembrança ao Getúlio e a Dona Jandira. Lhes deixei a lembrança e um abraço. Entrei no carro, retornei a cidade, ingressei novamente no deserto de cimento, na multidão de pessoas, mas agora, eu sabia da existência da vaca,  e isso dava um novo sentido a minha vida. 

Escrito por Daniel Vidigal

Imagem: https://barbaranonato.wordpress.com/2011/01/page/2/