domingo, 17 de março de 2013

O insight

Baseado em fatos reais...



        Os três investidores do grupo de varejo “Estoque do Povo” planejavam a próxima compra em Vila da Taíba no Ceará. Vindos de Pernambuco, sua rede de supermercados ia ganhando aos poucos o território Cearense. Três amigos de faculdade que estudaram administração, tinham aberto como sócios o primeiro supermercado a pouco mais de 10 anos, hoje já tinham vinte e duas unidades entre Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará. Todos eram quase quarentões. Viviam aquela transição entre homem jovial e experiente, bem casados desfrutavam de um bom momento da vida. José era o mais calado, seu forte era auditar os supermercados existentes, Rodrigo não tinha jeito para lidar com pessoas, porém, era um estrategista nato. Por último Marcelo era bom negociador e articulador. O ponto de interesse era um pequeno supermercado próximo a praça principal da cidade, eles enxergavam bem o potencial que o ponto representava.
- A cidade não tem mais para onde crescer, observe que uma rua complementar terá de ser criada, e não tem jeito, ela dará de frente para o mercadinho que queremos comprar – começou Rodrigo.
- Isso aí, ele quer 75 mil reais, devemos comprar logo, depois nos preocupamos com a construção da nossa marca, Estoque do Povo – afirmou José.
- Mesmo agora! Um supermercado de grande porte atrairia vários turistas, não há mercado nesse estilo por perto – prosseguiu Marcelo.
- É verdade, o fato é que devemos comprar- reforçou Rodrigo.
        Em uma mesa farta de cerveja e petiscos, eles foram até tarde discutindo todo tipo de estratégias empresariais. Davam explicações de porque algumas redes de varejo tinham crescido e porque outras tinham falido:
- Alguns varejistas perderam o foco no público alvo, ficaram oscilando entre a classe média emergente e a classe média antiga- explicava Rodrigo.
        O dia amanheceu ao som de um ventinho bem gostoso, os candidatos a compra chegaram ao mercadinho do senhor Edimir bem cedinho com um pouco de ressaca. Ele e sua esposa esperavam ansiosos os possíveis futuros proprietários. Não estavam precisando de dinheiro, ambos já com 70 anos mal tinham a visita dos filhos, pois cada um seguia seu caminho, entendiam bem esse lado da vida. Queriam voltar a cidade de origem Paracuru para ficar mais próximos de alguns parentes.
Os varejistas entraram comunicativos e educados. Se olhavam o tempo todo confirmando tudo o que haviam conversado, a ideia de Rodrigo o estrategista era espetacular, os 75 mil reais era um investimento inicial muito baixo. Com muito cuidado Edimir começou a mostrar o ponto: as estantes, o caixa, o local de carne, de frutas, etc. Depois os convida para conhecer a casa, que ficava no fundo e estava incluída na compra. Ali encontram uma varandinha bem simples com fundo para o mar, a mesa era de madeira e tinha em torno de 40 anos. Uma torneira de metal tinha suportado a maresia dos anos, pois era bem reforçada. Um cheiro de casa velha bem cuidada tomava conta do ambiente, era um cheiro gostoso. Quando Marcelo observou aquela casa (que nem estava em seus planos comprar) um “insight” lhe veio a mente. O mesmo se pronunciou bem educado e cauteloso:
- Senhor permita-me fazer uma colocação. Mas há anos isso aqui não é modernizado. A pia aqui de fora está suja de ferrugem, não há possibilidade de fazer um churrasco. Olhe essa mesa, não tem valor nenhum. Entendo que é sua casa, mas para os negócios esses detalhes não podem passar despercebidos.
        Nesse momento Edimir e sua esposa se olharam abismados, assustados. O olhar de sua mulher lhe sugeria compaixão pelo pobre Marcelo, pois ela tinha medo da reação do seu marido. Já o velho em poucos segundos sentiu uma lapso de centenas de sentimentos, mergulhou em um mundo que há tempos não habitava, lhe veio a mente a primeira vez que ele e sua esposa entraram naquele lugar, ambos com 16 anos, havia apenas um teto de palha e uma rede para dormir. Com a ajuda da vizinhança a casa fora levantada com as próprias mãos. Do tempo que gostava de entrar no mar com jangadas, a turma desfiava o peixe ali mesmo e comiam tudo com bainhão de dois e cachaça caseira. A ideia de fazer daquilo um mercadinho com o crescimento da cidade. Como foi difícil aquela decisão! Do nascimento do primeiro filho, as vezes nem tinham o que comer, mas Edimir recolhia as mercadorias do mercado, acordava quatro horas da manhã e ia vender tudo em Fortaleza, heroicamente voltava com dinheiro e comida para casa. Uma vez quase se separam e por dias ele dormiu na rede do lado de fora. De como sua mulher sempre mantinha a sabedoria e a calma nas decisões mais importantes que precisou tomar. Do dia em que mandou seus três filhos de uma vez para estudar em Fortaleza, o vazio que ficou na casa, sua mulher chorou por dias e foi a sua vez de ser forte e fazer com ela se acostumasse. Certa vez faltou dinheiro para mandar para as crias na capital, e o fundo da casa funcionou um tempo como barraca de praia para ganhar dinheiro. A formatura de cada filho que foi marcada por um churrasco com direito a luau pela noite. A alegria que os netos espalhavam quando ficavam nas mesmas redes que a varanda comportava... Infinitas memórias...
        Então ele nesse lapso de raiva, alegria e explosão o velho bem firme fuzilava Marcelo com os olhos. Já o negociador muito cauteloso procurava estudar psicologicamente Edmir, mas não conseguia chegar a nenhuma conclusão. Marcelo tensionava os lábios e as bochechas, algo parecido com um sorriso, torcia o pescoço e aguardava uma resposta de Edmir. Mas não vinha nada, então o varejista se pronunciou com uma voz de anunciante de aeroporto:
- Desculpe senhor, mas nosso grupo tem uma maneira transparente de fazer negócios. Colocamos na mesa o que é justo e sempre fechamos um valor que é leal para ambas as partes.
- Desculpe você, mas saia do meu estabelecimento.
- Como assim, fica tranquilo, mantenho os 75 mil reais e pagamos a vista- tentou se corrigir Marcelo sorrindo.
- Você não tem condições de entender garoto. Por favor, vocês devem ir embora.
O mercado nunca foi vendido, apenas arrendado ao filho de um antigo amigo que estava começando a vida com a esposa. Edimir voltou ao lugar de origem, Paracuru, onde passava muito tempo com os irmãos. Os varejistas nunca entenderam o que deu naquele velho.



Relatado por: Edimir.Escrito por: Daniel Vidigal

4 comentários:

  1. Os valores de nossas lembranças não podem ser mensurados. O valor das emoções vividas; o valor dos sentimentos despertados; o valor da própria memória viva... Tudo isso não pode ser quantificados em números monetários, porque faz parte do amadurecimento como ser humano e são valores que sempre nos acompanharão enquanto vivermos. Se existe uma forma de manter o que nos leva a esses valores, sem dúvidas que deve ser preservado.

    Abs Daniel.

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  2. Muito boa a história, o dia não pode comprar tudo, a alegria e tudo que passaram naquela casa o fez desistir de vender, pois ali estavam as suas melhores lembranças, a sua vida.
    Quem fala o que não deve, ouve o que não quer, isso aconteceu com Marcelo, perderam o negócio.

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    1. Esse tipo de negocio dá errado muitas vezes por esse motivo, as pessoas não enxergam certos valores intangíveis.

      Beijos

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