terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Copacabana: Algum espaço de tempo em 1988


Tinha quatro anos e as férias juninas estavam anunciadas, uma vontade imensa de estar na casa da minha Vó materna tomou conta de mim. Não sei se é costume de filhos do meio, mas ali me sentia o dono do trono. Ela preparava uma cama bem gostosa, me levava para todos os lugares e fazia todas as minhas vontades. Após muita insistência meus pais me deixaram passar as férias na casa da Dona Circe, na época com 55 anos. Lembro-me de belos passeios na orla do Rio, ficávamos no Leme, ela adorava ir comigo ver o por do sol e me expor para suas amigas babonas, eu adorava tudo. Algo interessante começou a me chamar atenção, eram homens gigantes e voadores que andavam de patins. Eu adorava me aproximar da ciclovia para vê-los de perto, a velhinha me puxava pelo braço e me dava uma bronca, mas a sensação de estar ali compensava a desobediência, valia a pena tomar um puxão de orelha.  Então comecei a insistir para ela me dar uns patins. Insisti muito, até que um belo dia pegamos o carro e fomos comprar um. Lembro-me até hoje de uns patins de plástico com encaixe para tênis, experimentei-os na loja e já queria sair voando dali mesmo, mas a dona Circe me fez esperar até o dia seguinte. 

Quase não dormi de tanta ansiedade, deixei eles ao lado da minha cama, algumas vezes acordava e verificava que de fato eles eram do tamanho do meu pé. Em fim o dia amanheceu, era domingo, o sol estava lindo. O Rio de Janeiro sempre foi lindo. As ruas em Copacabana eram fechadas para ciclistas, corredores, patinadores, etc. Lembro-me das minhas mãos sendo levadas pelos braços fortes da minha Vó, eu sonhava e observa homens gigantes andando de patins, tinha a sensação de que eram grandes aviões dando rasantes ao meu lado. As ruas estavam cheias, lotadas de famílias, crianças e esportistas. A hora da verdade tinha chegado, com muito cuidado ela me ajudou a colocá-los nos pés. E quando fiquei em pé sozinho pela primeira vez, dei de bunda no chão. Nesse momento as bicicletas se tornaram gigantes, os homens voadores se tornaram inalcançáveis e um grande sentimento de frustração tomou conta de mim. Levantei-me de novo, tornei a cair. As Bicicletas se tornavam mais ameaçadoras. Esse processo se repetiu enumeras vezes, a velinha tentava me ajudar, mas sem sucesso. Uma hora ela perdeu a paciência e queria ir embora.
- Não, lhe respondi.
Continuei tentando até que uma hora consegui ficar em pé, ela queria me segurar, mas eu dispensava as suas mãos, então comecei a patinar sozinho. Empolgando-se com o meu sucesso ela me acompanhava andando para trás, um sentimento de potência inundou meu coração e os olhos verdes da Dona Circe me convidavam a continuar. Apertei bem as minhas mãozinhas, sorria sem parar... Comecei a voar como os homens gigantes, as bicicletas não me assustavam mais. Patinava na mesma velocidade e no mesmo embalo que todos, e a senhora aos 55 anos, conseguia nos acompanhar andando para trás. Queria que aquele momento durasse para sempre. Uma hora ela cansou e disse:
- Vamos embora.
-Não, lhe respondi.
De longe eu avistava um posto, era azul e grande, eu queria chegar lá.
- Me solta, eu dizia.
Ela percebeu que não tinha jeito.
- Estou Voando, afirmei sorrindo e com os olhos brilhando.
Então ela começou a fazer parte do momento. Seus olhos verdes tornaram a me convidar e ela mesma começou a apontar para o posto me incentivando. Batia palmas andando para trás, mesmo assim ela era capaz de acompanhar a mim e a todos os patinadores voadores.  Naqueles olhos verdes existiam o equilíbrio, a coragem que um pai tem que dar ao filho para ganhar o mundo e todo o amor e carinho de uma mãe. Cheguei ao posto. Quando chegamos ao apartamento ela me deu um banho, almoçamos, coloquei o patins novamente ao lado da cama e dormi como um anjo. 

                                    Professora Circe

22 comentários:

  1. Que espontâneo Daniel, muito boa essa historia fez lembrar-me da infância de como somos puros e inocentes e de como é fácil ser feliz.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É verdade, desde que comecei a escrever esse foi um dos mais prazerosos para mim. Beijos

      Excluir
  2. Tão bom alcançar o inatingível. Tão gostoso quando temos uma mão para segurar, um encosto forte o suficiente para nos encorajar e ir um pouquinho mais além do que achamos ser capazes, temos uma "Dona Circe" mostrando que as coisas podem sim ser possíveis.

    Obrigado por compartilhar um pouco de você e permitir que façamos parte da sua história, mesmo que somente na leitura. Sempre bom compartilhar coisas boas.

    Abraço meu querido!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado pela visita Jair. Percebo que captou bem o momento que vivi. Minha Vó é de fato uma pessoa muito importante na minha vida.

      Abraço

      Excluir
  3. A infância é mágica mesmo... A simplicidade de uma criança e a sua forma de ver o mundo é fascinante. Tudo parece tão grande e distante, mas a sua vontade em fazer parte do mundo sonhado lhe faz acreditar que é tão capaz quanto qualquer ser superior. Essa forma lúdica de viver é um ensinamento.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu Sidney. Esse é o espirito do texto. Volte sempre. Abraço

      Excluir
  4. Olá querido, recentemente visitei a sua página e gostei muito da totalidade de seus artigos: Maravilhosos!!!

    Muito me alegraria se também visitasse a minha, deixo o convite para seguir o meu humilde, porém precioso blog, pois fala das coisas do Alto!
    http://frutodoespirito9.blogspot.com/
    Retorno para seguir-te...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Seja sempre bem vinda Lucy. Boa sorte com seu blog. Bem interessante o tema e a organização do blog, parabéns. Nesse mundo de blogs não sou muito fã do "me siga que eu te sigo".

      Abraço

      Excluir
  5. Boa tarde Daniel!

    Estou impressionada com sua história, que conto mais lindo!
    A sensação que tive foi de voar assim como aqueles gigantes voadores, na verdade mesmo gigante com grandes asas é o seu texto precioso, que nos leva para bem longe nos fazendo patinar na imaginação e sentir saudade do quanto era bom ser criança.

    Parabéns!
    Beijos meus

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Isso aí Carine, na minha primeira visita ao seu blog recebi um incentivo para escrever algo sobre a infância. Muito, mas muito contente que tenha gostado.
      Beijos

      Excluir
    2. Que bacana, Daniel,
      Saiba que fico muito feliz por contribuir de alguma forma, você tem muito talento!
      Lembro perfeitamente de sua primeira visita e terá sempre de minha parte todo incentivo para continuar a escrever contos, tanto infantis quanto para os mais crescidos, pois você manda muito bem com a escrita. Parabéns!

      Beijos meus!

      Excluir
  6. Olá Daniel!

    Adorei seu conto... É impressionante como as pequenas coisas tornam a vida das crianças mais feliz. Coisas como: um par de patins e uma bicicleta, por exemplo, são motivos fortes o bastante para arrancar um sorriso sincero. Depois nós crescemos e percebemos o quanto era bom ser criança e ter alguém para cuidar da gente. Obrigada por compartilhar esses momentos conosco, adorei seu conto e fiquei encantada com Dona Circe. Ela lembra muito minhas queridas e saudosas avós... Abraços.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É verdade Raquel, um momento dedicado a uma criança pode transformar a vida. Tenho lembranças marcantes com meu pai também. Certa vez ele pegou uma prancha, estávamos na beira de uma lagoa e ele colocou a mim e ao meu irmão encima, e nos perguntou se queríamos chegar até a beira...ficamos com medo, mas ele nos disse, confia em mim filhos. E nos empurrou, a prancha deslizou, movimentou um volume de água imenso e chegamos na beira e quando olhamos para trás, nosso pai estava contente e nos chamando de corajosos. Escrevi isso pegando carona em seu comentário. Beijos

      Excluir
  7. Oláá, tudo bem?

    Belíssimo post!

    Passei pra apreciar um pouquinho das suas ideias e do seu cantinho =D
    E pra deixar um 'oi' também!

    Espero que você tenha uma ótima semana, e que tenha dias maravilhosos.

    Um grande beijo

    Inté mais

    ;**

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigado Gabi, volte sempre, você é sempre bem vinda. Beijos

      Excluir
  8. Olá Daniel!
    Adorei seu texto, uma crônica muito boa, com detalhes perfeitos, encantadores, continue escrevendo, pois tem um dom incrível.
    beijoo

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Com certeza vou continuar, pois escrever me faz muito bem, conseguindo bons leitores, melhor ainda. Beijos

      Excluir
  9. Adoro crônicas e lembro desse modelo de patins :)
    Vim retribuir sua visita e comentário lá em meu blog.
    Bons escritos e vivências pra vc!

    ResponderExcluir
  10. Que crônica linda!! Além do cenário m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o.. Rio de Janeiro!! Durante a leitura imaginei toda a história como se estivesse lá tbm.. Muito bom! Parabéns Daniel!!!

    ResponderExcluir
  11. Daniel; li vossas palavras e penso que conheci a Dna.Circe. Ela por acaso morava no Leme; tinha dois filhos, um lembro que o nome é Flavio oi outro não lembro. Lembro também que tinha duas filhas gêmeas, fora outras que não lembro. Poderias me responder se for o caso; para gilsonbenvenuti@gmail.com Grato

    ResponderExcluir