quinta-feira, 28 de março de 2013

Do caos nasce um anjo



O sol começa a se por sexta-feira na vila do Pecém, Ceará. Com a chegada do porto, muito desenvolvimento veio para a cidade. Mas trouxe também drogas, assaltos, prostituição e som alto, fazendo barulho. De maneira alguma a vila perdeu o encanto do mar, pois há garotos jogando futebol por todas as partes, mães que levam seus bebês para passear, futevôlei, vôlei, casal de namorados, etc. O vento é forte e ele aos poucos empurra as dunas, dando esse charme que existe nas praias do Ceará. O porto e as obras atraíram também o pião de trecho, aquele que arruma as malas para onde há empregos, vai para onde for, desde que lhe paguem o maior cachê. Dorme na cama que a firma lhe arrumar, faz os amigos que vida trouxer e muitos deles namoram as meninas que o momento lhe oferece. Parece que tem faro, pois em poucos minutos chegam ao bar mais badalado de qualquer Vila. A semana geralmente é puxada e cheia de estresse. Um bar com muita cerveja é motivo suficiente para se aglomerarem. A primeira coisa que fazem é falar do perfil das mulheres da cidade, depois todos eles têm uma história de trecho para compartilhar: se forem da área de tubulação falam de toneladas montadas, os da elétrica falam dos cabos “megados” e por fim os da Civil falam de metros cúbicos de concreto.
Nunca deixam de elogiar como é gostosa essa vida de trecho, vivem como solteiros e ligam apenas no horário da noite para esposas, noivas ou namoradas. Sempre cortejam as garçonetes de qualquer lugar; algumas delas riem de qualquer besteira. A bebida aos poucos vai tomando conta, ela entra na mente que já está agitada como um amplificador de som, como batidas de um Funk bem alto. A risada se torna cada vez mais alta, as mulheres que gostam desse perfil riem também, têm paciência de escutar as fofocas da obra e as vezes até opinam.
O Mauro é operador de Guindalto, tem aproximadamente 45 anos e está no terceiro casamento; dança como um jovem desinibido e esta é possivelmente uma maneira de extravazar os problemas. O fato é que todo mundo o acha engraçado. Rapidamente já fez amizade com o Luiz que é técnico de planejamento. Algumas mulheres chegam perto e consomem bastante o Wisk que está sobre a mesa. Elas, na maioria das vezes, estão perdidas e desorientadas, ou sonham em ir a um lugar que não existe. O Jamir, técnico de segurança, levanta sua latinha e faz um gesto como se dançasse com uma mulher invisível. Rafael e João são dois jovens engenheiros bonitos que chamam a atenção das mulheres. Luiz e Fábio chegam por último, mais reservados, de certa forma eles não conseguem se inserir naquele mundo, nem eles mesmos sabem se isso é bom ou ruim. As meninas de um modo geral são sedentas por Wisk. Juliana, uma nativa da cidade, dança como uma pena explosiva, bem formada de corpo, não há homem que por instinto não a olhe por inteira. Há muita risada naquela mesa. Algumas são meninas que só querem beber, outras são prostitutas que foram atraídas pelas grandes obras. O som é alto e a noite vai tomando conta, todos vão ficando cada vez mais bêbados. Todo mundo namora. Jamir encontra Rafaela que é protistuta, ele curte ela...ela curte ele. Gostam do que acontece quando estão só eles.
O dia amanhece e uma nova bebedeira toma conta do sábado. No domingo, acontece outro forró. Como algumas nativas dançam! Quantas mulheres no mundo gostariam de ter aquela energia para utilizar apenas nos momentos certos.
A segunda-feira começa e um ambiente de trabalho estressante toma conta de todos eles: relatórios técnicos, ARTs, produção, cobrança do fiscal da obra e fofocas que só prejudicam o ambiente de trabalho. Na noite, não há paz, se procurar um amigo, há mais fofocas ainda. Falam de trabalho, filosofias de obras e se vacilarem bebem todos os dias.
Nessa vida dinâmica e ao mesmo tempo repetitiva, as semanas vão passando e as obras aos poucos vão acabando; todos dizem que irão manter contato, mas isso geralmente só acontece quando fazem parte do mesmo network, cada um aos poucos ganha seu mundo, ganham novos horizontes. Irão fazer parte dessa vida particular em outros lugares.
Jamir se foi e Rafaela ficou. Rodeada de amigas e sempre bebendo ela vai procurando outros homens do trecho, mas há algo dentro dela que incomoda, pois ela sabe que fez sem proteção. Sabe que Jair é casado, e agora? A dúvida a deixa muito angustiada. Será que estou grávida? O que faço? As semanas vão passando, os quadris vão mudando, o peso vai lhe caindo sobre a cabeça, todos os dias pela noite ao invés de beber ela passa a chorar. Um belo dia ela toma coragem e o resultado sai:
- Meu Deus, estou grávida.
As amigas a chamam de maluca, como pode transar sem camisinha.? Contatos e macetes para aborto lhe surgem, mas algo lhe chama e diz que essa criança tem que nascer. Dentro dela há força e ela decide ter a criança.
- Como você ganhará dinheiro sua doida?
O dinheiro vai acabando, ninguém sabe por onde anda Jair. Estava sozinha no mundo quando Carine lhe apareceu na vida e lhe ofereceu comida e casa para dormir. Aparecem também João e Artur, sensibilizados com sua situação, todas as noites lhe fazem uma visita e também organizam vaquinhas na obra para lhe ajudar. Comida não lhe falta, amigos que ela nunca imaginou que existissem aparecem.
Os meses vão passando e a barriga vai pesando. Sua vontade de ter esse filho torna-se contagiante. Uma advogada voluntariamente lhe procura e lhe orienta em como encontrar Jair para que ele assuma todas as suas responsabilidades e lhe garante que essa justiça funciona. Ela anda pelas ruas com um grande barrigão e, para algumas pessoas ela é apenas uma prostituta perdida na vida enquanto para outras, é uma guerreira... é possível sentir a vontade de vencer.
Certo dia Rafaela acorda, sentindo o peso da barriga com um novo sentido e se lembra de seu pai no Maranhão. Não seria aquele o momento de rasgar o ódio, as antigas brigas e ligar depois de tantos anos? Por mais que as pessoas ajudem, ela percebe que ninguém no mundo a ama mais que seu pai. Toma coragem e liga; no início, um grande silencio toma conta da situação e o velho  fica um pouco assustado, mas imagina sua filha grávida; ele também percebe que é hora de deixar essa maldição chamada orgulho de lado. E faz o convite para que ela volte para casa. O nascimento do bebê está programado para março. E em Janeiro ela já estava de passagem comprada para o Maranhão.
Antes de ir embora do Ceará ela faz um chá de fraldas onde apareceram cerca de cinquenta pessoas: gente do trecho, casais da cidade, jovens solteiras, senhores, senhoras,etc. Alguns ficavam, outros deixavam a lembrança e iam embora. A imagem da prostituta tinha se diluído, agora todos viam uma guerreira que com todas as dificuldades estava disposta a ser mãe.
Com oito meses de gravidez ela chega ao Maranhão. Alguns vizinhos a criticam muito:
- Some no mundo e retorna para casa desse jeito.
Pai e filha se mantêm fortes, aquele não era momento de acerto de contas. Ele se esforça e não deixa que a crítica e a fofoca vazia das pessoas surta efeito. Faz todas as vontades da filha. As vezes chora pela noite e percebe que terá de ser forte, sua filha precisa de ajuda e pede a Deus o equilíbrio que nunca teve.
O dia do nascimento chegou. Em um parto normal nasce um menino com os olhos brilhando para esse mundo. O pai de Rafaela ao ver a criança chora muito, se derrete e concluí que aquele anjinho era um presente de Deus. Rafaela olha seu filho, o sentimento mais inexplicável de mundo toma conta do seu coração.
Com a criança já limpa, pai, filha e neto se abraçam. Todos que ajudaram Rafaela estão presentes de espírito naquela sala, aplaudindo a coragem e o pulso de querer ser mãe. Os aplausos são altos, como final de uma grande opera. As pessoas sorriem e estão orgulhosas da protagonista, o som das palmas ecoa... todos se levantaram...ela apenas diz “obrigado” ....as energias são positivas... desejando toda a paz do mundo àquela família. Os olhos de Pedrinho brilham, ele tem um peito farto para se amamentar e uma mãe e um avô que o amam muito.

2 comentários:

  1. É as vezes temos que voltar ao passado para conseguir enfrentar o presente com aquela velha esperança de um futuro melhor .

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  2. "voltar ao passado para conseguir enfrentar o presente" bem colocado.

    Beijos

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