sábado, 28 de dezembro de 2013

SINOP

 




 
 
Escrito por Circe Dirceu Vidigal

SINOP

Para Daniel Vidigal Duarte Souza...
Meu neto Engenheiro, Poeta, Escritor e agora Surfista

Faltavam três semestres para se graduar, quando ela pediu para conversar com a mãe. Queria trancar a matrícula para acompanhar o namorado que acabara de se formar e seguia para a Bahia, onde já lhe esperava um trabalho garantido como Engenheiro Agrônomo. Ela sabia o quanto a mãe era liberal e acessível, mas, em questões de estudo, exigia a formação completa, com diploma e tudo. O rapaz veio lhe falar e lhe assegurou que ela terminaria seu curso, vindo por etapas fazer cada semestre. Era um jovem sério, inspirava confiança e estavam apaixonados. Querendo o melhor para sua menina, a mãe concordou, que amor de verdade não se contraria. É prêmio na vida de qualquer um. Na Universidade, já moravam juntos, numa casinha de madeira, quase um barraco. A mãe já conhecia e só por aí já podia avaliar o tanto de amor que os unia, para que sua menina, criada à beira-mar, ali fosse feliz. Concordou. Confiou. Mas avisou: - Por mim tudo bem, desde que essa promessa seja cumprida e você consiga se formar. Mas vais enfrentar uma barra, com sua avó e suas tias; não vão te deixar isso barato, mas estarei de teu lado; afinal, sou a mãe.
E lá se foram os dois, felizes da vida;. Na cidadezinha do interior da Bahia onde ficariam, para todos os efeitos eram recém casados. O órgão de trabalho do “marido” era do Governo e imaginem o escândalo se descobrissem que o “ doutor” era amasiado.
Naquela época as comunicações eram precárias, nada de e-mail, skype, e mesmo telefone comum; esse era via telefonista. Mesmo assim se comunicavam sempre e foi com muita surpresa que a mãe recebeu um lindo postal onde se lia: “ ‘’Pois é: resolvemos casar. ”
Ahhhh Estava grávida, com certeza! Que maravilha! Mas ainda não era isso. Eles apenas haviam descoberto todas as vantagens que estavam perdendo por não serem casados: auxílio disso, auxílio daquilo e até mesmo o aluguel da casa! E resolveram casar, pois teriam maior folga financeira. A mãe cá pensou: eita sistema brabo; de um jeito ou de outro põe as pessoas “ na linha” dentro dos conformes da sociedade. Por ela, bastava que fossem felizes, mas se estavam se arriscando a ficar mal vistos, era o melhor que faziam. Afinal de contas, um papelzinho assinado no cartório era pouco aborrecimento pra muita compensação. Casaram apenas no civil, com a presença dos pouquíssimos amigos que conheciam a situação; a mãe, é lógico, lá se foi, levando o chapeuzinho mais lindo que havia encontrado na única chapelaria ainda existente na rua 7 de setembro, no Rio; uma graça de chapéu, o fetiche de sua menina! Foi tudo muito simples e alegre , com exceção do porre que a mãe tomou. Estava habituada a beber, era um bom copo, entornava bem sem se embriagar, pois sentia sempre quando era preciso parar. Mas dessa vez foi um vexame total. Vomitou as entranhas. Talvez a bebida fosse falsificada ou ela, inadvertidamente, tivesse misturado destilados com fermentados – isto é, cerveja com wisky ou batida - sabe-se lá o que foi, pois isso nunca lhe acontecera antes!
Passou-se algum tempo e o esperado bebê não aparecia. Exames disso, daquilo, foram até para Salvador, em busca de ajuda. Estavam nessa batalha quando o marido foi transferido para o Mato Grosso. E, nessa exata época, o bebê mandou seu telegrama. Acho que de tanto futucarem a mãe, ela desentupiu de alguma coisa e engravidou. Foi uma alegria geral ! O marido ia com uma função importante. O órgão para o qual trabalhava deveria orientar, assessorar, implementar um projeto de Colonização privada, muito importante para o Governo Federal.
Nessa época reinava aqui uma Ditadura, fruto de um Golpe Militar e estavam se descabelando com o início do Movimento dos Sem-Terra, localizado no sul do país. Era preciso fazer alguma coisa. Além do mais, havia o problema da Amazônia e a esse governo não interessava que a região fosse povoada por posseiros e sim por uma agricultura de modelo capitalista. Um famoso grileiro do Paraná conseguiu a cessão de enorme gleba de terra para montar um projeto de colonização e desafogar o sul do país onde as propriedades camponesas eram cada vez menores e muitos perdiam a terra, indo engrossar o contingente dos sem-terra. A propaganda feita prometia um verdadeiro Eldorado. Jornais, revistas, rádio e Tv faziam parte da campanha e toda a terra foi vendida. O preço de 20 hectares no Paraná comprava 200 hectares no projeto SINOP. Esse nome era apenas a sigla do empreendimento Sociedade Imobiliária do Noroeste do Paraná, mas acabou pegando.
É um longa história, que serviu mesmo como tese de mestrado para a mãe, que nessa época, já avó, estudava na USP.
Quando seu netinho estava para nascer, lá se foi ela, sem saber nada sobre seu destino. Até Cuiabá voou de Vasp, mas de lá não havia estrada para ônibus; assim, seguiu num pequeno Bandeirantes da TABA – Transportes Aéreos da Bacia Amazônica, que voava baixo o suficiente para você ir explorando, inicialmente o cerrado e, aos poucos, tufos de mata que iam se avolumando quanto mais do norte nos aproximava-mos. De repente, um enorme, gigantesco retângulo desmatado, com ruas já traçadas e pequenas mudas de árvores nativas plantadas nos canteiros do meio. Aqui e acolá uma construção em meio àquele barro vermelho, que nos seis meses de “inverno” era pura lama e nos seis meses de “verão” era uma poeira só. Conheci depois.
Ao descer do avião e colocar meus pés naquele barro vermelho pensei: belo material para uma dissertação sobre agricultura familiar.
A casa da filha era grande, toda de madeira, numa das ruas laterais. O piso era de cimento colorido de vermelho e, ao chegar, deparei-me com a minha menina, com um barrigão enorme, empunhando furiosamente um pesado escovão de ferro, com uma flanela embaixo, como os que conheci na casa da minha avó , dando brilho naquele piso. Bela chegada! Mas ela estava feliz e isso é o que importava. A outra vó chegou dias depois e nosso encontro foi ótimo: nos gostamos logo da primeira vez. Ela adorava uma cervejinha e, ao longo dos netos que foram nascendo, as duas trabalhavam muito, riam bastante e tomavam muita cerveja. Uma lavava e a outra passava, fora ajuda na arrumação da casa e na comida, Poderia dizer que tudo era só alegria não fossem os mosquitos. Primeiro, enchemos o quarto com aquelas espirais, mas o genro reclamou da fumaça. Partimos para o aerosol mas a emenda foi pior que o soneto – Que cheiro é esse, reclamava ele ! O que fazer ? – como diria Lenin ! Bem, tiveram uma idéia genial: foram à cidade e compraram alguns metros de telas apropriadas, preguinho e martelo tinha em casa. Quando ele chegou já estava tudo pronto e, dessa vez, fincaram o pé e não se falou mais no assunto.
Poucos meses depois ela estava grávida de novo e lá se foi a vó novamente para Sinop. Dessa vez já tinha um projeto de pesquisa pronto e o roteiro de todos os lugares onde deveria ir pesquisar . Cuidava da filha para que repousasse, para que se alimentasse bem por causa da amamentação, fazia o que podia para ajudar; depois compilava dados, descrevia fatos acontecidos, pitorescos ou tristes e ia dormir embalada por canções de caminhoneiros que aprendeu a gostar. As músicas eram uma história, com começo, meio e fim; era como se fosse uma novela, e as letras lembravam aquele velho e famoso cantor, Vicente Celestino, só não tinham a potência de sua voz. Ela achava tudo diferente, mas gostava daquele Brasil tão agreste e simples.
Poucos anos depois nasceu a única menina da família e aí a vó completou sua pesquisa. Saía de bicicleta depois do dever cumprido e visitou do Bispo às prostitutas do lugar. Ficou um belo trabalho. A primeira dissertação de mestrado sobre Sinop e que se intitulou:
Sinop: A Terra Prometida
Geopolítica da Ocupação da Amazônia
Foi nessa segunda viagem que nasceu o menino a quem essa crônica foi dedicada.


Publicado também em : http://buscainternapaz.blogspot.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário