Recebi o convite para passar uns dias no campo na casa de um
amigo, o Jairo, ele insistiu muito e me disse que eu estava precisando de descanso.
Sempre fui urbano, gostei de cinema, bares, shopping e diversas opções que
envolvam dinheiro para o divertimento. Mas como concordei que estava realmente
cansado e precisando de novos ares, topei. Nunca durei muito com nenhuma
mulher, me aproximo dos quarenta anos, a verdade é que o tempo passou tão
rápido que nem sei se realmente eu quero me casar ou algo do tipo. Adoro minha
liberdade, tenho um lado esportista também, sou adepto do tênis. Não tenho
muita profundidade nas amizades, me comunico fácil, mas não crio raízes. Peguei
o carro em um sábado de manhã, nesse dia tão especial da semana parece que o asfalto
se torna mais leve, é gostoso preparar meu café com torradas e suco de laranja.
Parei em um posto de gasolina e verifiquei as partes básicas de mecânica do meu
carro. Segui ao interior de São Paulo, eu liguei o som, mas foi a primeira
coisa que notei que ia me ajudar, desligar e escutar o barulho do vento dentro
do carro. O lugar não era exatamente fácil de chegar, em quantas mais ruas eu
entrava, mas estranho me sentia, longe do oceano de cimento.
Cheguei na vila da cidade com muita fome, procurei por todos
os cantos e encontrei apenas um restaurante, quando entrei não havia ninguém,
apenas um som tocando Pena Branca e Xavantinho, mesmo assim sentei-me e esperei.
Uns cinco minutos depois um senhor mal humorado apareceu perguntando o que eu
queria. Comi arroz com galinha, a comida era leve e gostosa, tudo era bem
diferente do que eu estava acostumado, parecia que o tempo passava mais devagar
para o dono daquele pequeno restaurante. Na cidade entrei em uma rua e rodei
mais sessenta quilômetros, sem ver sinal de civilização, até chegar a fazenda
do meu amigo.
Na casa não havia sinal de
celular, apesar de bonita e aconchegante, algo me deixava inseguro naquele
ambiente, pois eu sempre estive acostumado com a jaula urbana. O carro, o muro
do condomínio, essas coisas. Ali não, qualquer um pode entrar, qualquer pessoa
que quiser pode vir de São Paulo e ingressar naquela residência. Muito
desconfiado fiquei, mas comecei a pensar nos ganhos do repouso. O caseiro
prontamente me recebeu com sua esposa, sua casa ficava a três quilômetros da
casa principal da fazenda, ele tinha feito todo o trajeto em uma modesta
carroça guiada por uma égua de porte bem bonito.
“ Bom dia Senhor, imagino que esteja cansado
da viagem, já almoçou? Sim, que bom, esse restaurante é muito bom mesmo, mas
não se compara a comida da minha esposa, o patrão me pediu para lhe tratar da
melhora maneira possível, imagino que queira dormir, há certo, então no fim de
tarde estamos de volta para lhe preparar um café”.
Aquelas pessoas foram super receptivas comigo,
elas tinha um semblante tranquilo e pouco agressivo, mas eu notava que eram
eles que não se sentiam a vontade comigo. Eles foram para casa, fiquei
observando aquela imensidão, sentindo aquele ar verde, o Jairo me deu um dos
melhores quartos da casa, a cama estava muito bem preparada, a casa era toda
feita de madeira, qualquer barulho na casa fazia um eco muito grande, ali
ventava modestamente, observei aquela vista de final de tarde e dormi
profundamente. Acordei no dia seguinte, dormi 16 horas seguidas, talvez um novo
recorde na minha vida, acordei em torno de oitos horas da manhã, fazia aquele frio gostoso de começo de dia. Já
estavam de prontidão na varanda o Getúlio e sua esposa.
“ Você como todos da cidade
quando chegam aqui, dormem como ninguém, estivemos aqui ontem, mas você apagou
e sequer fechou a casa, mas aqui não tem problema, a gente deixou um bolo, caso
você acordasse com sono de noite. Você está prestes a comer um dos maiores
cafés de sua vida, Jandira mãos a obra”.
Sentei-me na mesa e fiz de tudo
para ser o mais agradável e educado possível, a Dona Jandira cortou um grande
pedaço de queijo caseiro e colocou no em um fogão de chapa, tirou da geladeira
um suco de laranja, tostou pão caseiro para mim e colocou água ao forno para
preparar-me um café.
“Tudo vem da fazenda principal, na casa do pai do Jairo,
onde existem os negócios, essa fazenda aqui é só para lazer, eles mandaram
grande quantidade de comida de primeira, porque sabiam que você estaria aqui, nós
carregamos o Jairo no colo, quando eles eram pequenos estavam aqui praticamente
todos os fins de semana, temos filhos da idade dele, mas cresceram e optaram
pela vida na cidade. Agora e mim e a minha esposa, nos resta essa
tranquilidade. Ficamos felizes quando pessoas boas aparecem”.
Eu não sabia se eu me enquadrava
entre as pessoas boas, na maneira deles me avaliarem, queria me sentir cem por
cento a vontade com eles, mas não conseguia. Eu nunca tive empregada em casa, e
para mim pessoas que limpavam e arrumavam meu kit net, eram como uma rápida
passagem, onde eu dava no máximo um bom dia e sabia que tinham que limpar bem o
quarto, pois eu pagava em dia o condomínio. Naquele caso, os caseiros eram da
casa, eram parte daquilo, eram emoções raras para mim lidar.
“ Você monta a cavalo? Não? Sem
problemas, vou lhe mostrar a fazenda. Vamos”
A fazenda tinha grandes extensões
de verde e apenas algumas arvores soltas por ela, no seu centro havia um
pequeno lago com área para churrasco e laser, uma hora chegamos ao alto de um
morro e dali pude ver a imensidão daquelas terras, aquele deserto verde me
causava profunda paz e ao mesmo tempo certo temor, pois eu nunca estivera tão
longe da cidade, longe de pessoas em volume. Depois do passeio eles prepararam
um almoço e deixaram um lanche para mais tarde e se despediram. Eles ficaram de
voltar no dia seguinte para preparar o café. Cochilei um pouco e fiquei horas
olhando a fazenda da varanda. Dali pude ver o sol se por, a medida que ia
escurecendo, o ambiente foi me dando novamente certo medo. No dia anterior eu
tinha apagado, já ali, o sol tinha ido nas fuças do meu nariz, mas foi lindo.
Dali era possível ver todas as estrelas,
a noite no campo é filarmônica, os gritos cantam, o vento bate, pássaros
desconhecidos cantam. Era maravilhoso, mas ao mesmo tempo me sentia
completamente fora de mim. Pensei em ir até a casa do caseiro lhes fazer
companhia, mas era longe demais para encarar a caminhada aquela hora. A casa
não tinha televisão, acendi as luzes da varanda e entrei. Com a curiosidade
aguçada comecei a olhar detalhes em todos os aposentos. Fotos, objetos, aquela
casa era maravilhosa para estar abandonada, ali estava a estória de uma
família, naqueles objetos percebia-se os dedos profundamente apaixonados de uma
mãe. Deitei no sofá e dormi.
Não recordo exatamente o que
estava sonhando, era de madrugada quando comecei a ouvir passos invadirem toda
a casa de madrugada. Havia alguém na varanda, como a casa era de madeira, o
barulho ecoava tremendo tudo. Naquele momento uma grande quantidade energia foi
liberada ao meu corpo, mas me tranquilizei e pensei, o único que pode estar por
perto é o Getúlio. Me levantei, me aproximei a uma das portas e gritei pelo seu
nome, os passos pararam e tive o silencio como resposta. Me recolhi, decidi não
falar mais nada e fiquei esperando, em torno de trinta minutos depois os passos
voltaram. Eu me perguntei o que é que eu tinha ido fazer naquele fim de mundo,
sem celular e com alguém afim de fazer terrorismo com o meu juízo. Pensei em
poucas horas em vários projetos de vida, na minha solidão, em viagens, em
casamento, mas era tarde. Agora um louco atormentava meu juízo. Bateu com muita força na parede da casa, tudo
tremeu e eu chorei. Olhei para a cozinha, peguei uma grande faca, procurei
alguma arma na casa, pensei em gritar, mas nada. Olhei para o relógio, vi que
duas horas tinham se passado, disse alto que em pouco o senhor Getúlio estaria
ali, que o dia ia raiar. Voltei a ter o silencio como resposta. Pensei na
possibilidade daquilo ser tudo ser arte do senhor Getúlio. Em torno de cinco
horas da manhã, ainda era escuro, não aguentava mais aquilo, estava estressado
e desesperado. Abri a porta principal da casa com um chute e um facão na mão
decidido a enfrentar quem quer que estivesse ali. Me deparei com um monstro, me
encarando firmemente nos olhos, era grande e volumoso, os poucos segundos que
nos encaramos foram eternos, pois aquele olhar era o mais coeso e sincero que
já tinha visto, em contrapartida ao meu, histérico e fraco. Mas logo caiu a
ficha, era uma vaca. Como um louco comecei a rir de mim mesmo, bem alto. Cinco
e meia da manhã vi de longe seu Getúlio e a dona Jandira se aproximarem em sua
carroça.
“ Vixe, essa vaca de novo, ela
tava sumida, ela gosta desse canto aí da casa, nunca tinha visto vaca gostar de
varanda de casa. O pessoal da cidade não gosta de acordar cedo, há levou um
susto com a bichinha, bem vindo ao campo”
Era meu último dia ali, tomei um café
delicioso e comecei a me sentir mais vontade com eles, aquela vaca tinha me
deixado mais gente, não sei se é loucura mais foi assim que me senti. Decidi
procurar o ponto mais próximo onde pegava celular, cancelei todos meus
compromissos e pedi ao Jairo para ficar mais uma semana. Aquela solidão se
tornou maravilhosa. Peguei um velho caderno dentro da casa e me dediquei a
escrever um novo projeto de vida, fazer desenhos como uma criança no jardim de
infância, caminhar por horas naquele verde maravilhoso. A noite se tornou
maravilhosa, aquela sinfonia me tranquilizava a alma. O dia de partir chegou,
fui a cidade e comprei uma lembrança ao Getúlio e a Dona Jandira. Lhes deixei a
lembrança e um abraço. Entrei no carro, retornei a cidade, ingressei novamente
no deserto de cimento, na multidão de pessoas, mas agora, eu sabia da
existência da vaca, e isso dava um novo
sentido a minha vida.
Escrito por Daniel Vidigal
Imagem: https://barbaranonato.wordpress.com/2011/01/page/2/
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