quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Pião de Trecho --- Capítulo 10: O meu pai foi pião, minha mãe solidão


 
 
Pedro se firmou e ganhou a confiança de Ulisses no trabalho, dois anos se passaram e aquele ambiente que ele tanta estranhara um dia já lhe era comum. Sua vida era se divertir, trabalhar, beber a noite, procurar mulheres, conversar excessivamente de obras, ligar para a família e comprar presentes para os filhos e para a mulher. Certa sexta-feira os comentários começaram cedo:

- Hoje vai ter cover de raça negra.

- Vai ter só as melhores papai.

Toda a obra estava empolgada com um show de um cover de raça negra que ia acontecer, os ingressos já estavam comprados e era dia de ligar cedinho para Carine:

- Ligo logo cedo para a mulhé, depois que ela dormi eu me mando pros show.

E assim foi naquele dia, naquela sexta-feira Pedro como de costume ligou para o orelhão e eles falaram o básico rapidamente. A vida de Carine se tornara entediante, era uma espécie de infelicidade interna e vergonha inexplicável para as pessoas, pois estar naquela fase da vida com o marido tão ausente de casa era frustante. Ela não conseguia disfarçar dos filhos certo rancor por aquela solidão. Pedro foi para a farra e ela foi para a casa. Logo que desligou o telefone Tiago começou a vomitar, já Pedro começou a beber, depois Tiago piorou, Pedro também piorou, Carine procurou uma carona para o hospital que de pronto não encontrou, Pedro pegou um taxi com os amigos e na porta do show ele ficou, Tiago chorava cada vez mais forte, Pedro falava cada vez mais alto.

Carine no desespero pediu a ajuda de Jeremias de que de pronto colocou ela, Tiago e Gabriela na moto rumo ao hospital. Chegando lá ele se desculpou e disse que não poderia ficar, mas que ia deixar a moto com Israel para que ficasse de plantão e assim ocorreu. Gabriela chorava muito, pois a neném queria estar em casa, a mãe não conseguia acalmar ela, foi quando Israel a pegou pelo colo e a neném sorriu, com sua pelezinha moreninha e seus pequenos caixos negros. Para sempre uma relação paterna entre Gabriela e Israel estava formada. A noite passou devagar, os médicos deram vários soros para Tiago, o neném ficou sobre observação até o amanhecer. Israel ficou do lado de fora do hospital brincando com Gabriela e Carine sem dormir na sala de espera.

Pedro entupido de bebida estava em estado de estase, cantando todas as músicas de raça negra, abraçado com os amigos, mexendo com as mulheres e bebendo cada vez mais. Em pouco tempo arranjou uma namorada no show e entre amigos eles brincavam:

- De fudé demais papai. Eu quero é mais, eu quero é mais....

A noite passou e o dia amanheceu. Carine chegou em casa com as duas crianças no colo, agradeceu a Israel e ficou sozinha por horas olhando o rio. Queria explodir, quebrar a casa, bater nas crianças mas só lhe restou chorar. Chorou por três horas seguidas e se lamentou, se perguntou mas não encontrava respostas.

Pedro acordou de ressaca no final da tarde de sábado, a primeira coisa que fez com os amigos foi resenhar:

- A menina mora aqui perto, na semana vou lá dormir com ela.

Até que de tardinha chegou a hora de ligar para casa, ele escutou em tom desesperado:

- Pedro passei a noite no hospital com o Tiago, ele ficou muito doente. E você longe. Para com isso, volta logo. Quem ficou lá com a gente foi seu primo Israel.

Ele respondeu em tom confuso:

- O Tiago tá doente? Diz para ele que vou comprar o caminhão mais bunitu daqui. Vou levar presente para você também. Ele já está bem?

Pedro tentava compensar a ausência de casa com presentes. De alguns amigos de trabalho ele escutou:

- Rapaz, mulher é assim mesmo. Tenta de todo jeito chantagear o pião. Garoto, garoto vá se acostumando com essas coisas.

De um lado ficou Carine na solidão, e do outro Pedro confuso, mas tomado de conta por aquele ambiente de obras. A segunda-feira chegou e já haviam pré-fabricados para montar.

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