terça-feira, 9 de julho de 2013

Pião de Trecho --- Capítulo 4: Greve


Tiago o primeiro filho de Pedro tinha nascido e Carine já esperava pelo segundo neném, a vida de casado tinha as suas dificuldades, porém, havia vários aspectos compensadores... Ela era uma esposa muito carinhosa e preparava um lanche bem gostoso todos os dias no final da tarde. Ele por sua vez tinha pique para chegar em casa e brincar com o filho, o nascimento da criança tinha iluminado aquele lar e era um grande combustível para que eles superassem as dificuldades de uma vida a dois. Fim de tarde era hora de olhar o rio com a criança e passear pelas ruas. Carine conseguiu concluir apenas o segundo grau na escola, pois tinha muita responsabilidade em casa.
Jeremias com duas crianças em casa tinha um pique parecido, porém, a inconstância da feira o deixava com uma instabilidade financeira um pouco maior. O nome de seus filhos eram Julio e Marina, estes sempre brincavam juntos com Tiago, principalmente na beira do rio.
Israel bebia quase todo dias e pouca atenção dava ao seu filho Paulo que tinha nascido, tinha um bom coração, mas não conseguia rumo na vida, não parava quieto com uma mulher e trabalho estável nem pensar. Mas continuava o garoto bom e amigo de todos os primos. O casamento, as responsabilidades e as novas amizades tinham deixado os três um pouco mais distantes, mas o vinculo familiar continuava forte.
O ano de 1994 era ano de eleições e os sindicatos em geral estavam fazendo muita fiscalização nas obras. Os trabalhadores da fábrica de Papel eram vinculados ao SINDCELL, Sindicato dos trabalhadores do ramo de celulose, este vinha sofrendo influência política de alguns partidos de oposição. O encarregado Otamar era amigo do presidente do Sindicato e tinha lhe comunicando tudo o que acontecia de errado no empreendimento. Em maio daquele ano o pagamento dos trabalhadores da fábrica de papel estava atrasado três dias e não tinham previsão para solucionar o problema. Pedro estava contando com o dinheiro para fazer a feira e ajudar seu pai, o salário nunca tinha atrasado e o mesmo já estava quase passando fome junto a família e seu pai.
Otamar comunicou ao presidente Jorge do Sindicato que o ambiente de trabalho era favorável a uma paralisação. Aluízio estava muito preocupado com a situação, o dinheiro simplesmente não saia e a empresa lhe dizia calmamente que ele tinha que esperar. Otamar bem traiçoeiro dava conselhos ao engenheiro:
- Senhor Engenheiro manda sair logo esse pagamento, os pião tá tudo doido, to preocupado bastante.
E ao mesmo tempo por telefone indicava ao Sindicato:
- O negocio aqui tá feio, os pião tudo passando por necessidade, e os homi nem aí. A gente precisa de ação já, só parando para esses homi resolver nosso problema.
Então no dia 08 de Maio de 1994 o sindicato estava na entrada da obra com uma pampa e um grande auto falante no fundo, o presidente iniciou o discurso:
- Trabalhadores, bom dia, é com muita honra que tenho o prazer de estar aqui com todos vocês nesse momento tão complicado, pois é de meu conhecimento que o Patrão os obriga a trabalhar para no fim do mês não querer pagar. Senhores isso é verdade?
E coro levantou a voz:
- Éeeeeeee.
- Por tanto senhores eu que ando quarenta anos em obras, nesses trechos, eu que tenho visto homens como esses donos dessa fábrica de papel enricarem com o suor dos trabalhadores, percebo que uma ação mais drástica deve ser tomada. Todos nós sabemos que as riquezas do Patrão é fruto do sangue que o trabalhador doa no campo. Nossas peles são abençoadas por Deus, só os guerreiros aguentam o sol do meio dia, quando sacos de cimento devem ser carregados, a massa deve ser misturada, os tijolos devem ser colocados...
Nessa linha o presidente do Sindicato foi discursando, os trabalhadores foram ficando emocionados com as palavras do Presidente Jorge, naquele momento eles tinham a impressão que podiam tudo, que eles mesmos eram os donos das fábricas. Os gritos agressivos ao Engenheiro Aluízio eram aplaudidos, um sentimento de justiça, de trabalho, a raiva pelo atraso, tudo ia tomando conta dos trabalhadores. Pedro escutava tudo, o mesmo estava passando fome, e naquele momento o Engenheiro Aluízio e a empresa eram as piores coisas que existiam, ninguém sabia que seu Samuel seu pai também estava passando fome, seu filhinho tinha tomado pouco leite naquele dia, o leite tinha sido dado por Jeremias. Uma grande emoção foi tomando conta de Pedro, as pessoas precisavam saber o que estava acontecendo de verdade, aquele herói corajoso que jogava palavras agressivas contra Aluízio precisava saber o que se passava com ele. Foi então que tomado pela emoção ele praticamente tomou o microfone das mãos de Jorge e iniciou seu discurso:
- Gente, meu filho só teve leite hoje porque meu primo pagou ao leiteiro um litro para mim, eu to comendo pão dormido, meu pai queria minha ajuda mas num teve. Tá todo mundo lá em casa precisando desse dinheiro, minha mulher teve que ir na casa da mãe pagar um cacho de bananas. Nois temo que entender o que? Que a empresa tá com problema de banco, temo é nada. A empresa tem que pagar logo todos nós, se não nois vai passar fome.
Então Jorge fez um gesto indicando uma foto ao fotografo do sindicato, pegou novamente o microfone e se pronunciou:
- Pessoal, eu quero saber quem o Patrão que vai explorar trabalhador aqui hoje? Eu quero saber quem é o trabalhador que produzirá riquezas em vão? Eu conheço a força de vocês, conheço o grito da conquista... quem será explorado aqui hoje que fique em silencio.
Falou num tom forte e contagiante,  os trabalhadores responderam:
- Vamos para casa.
Em menos de cinco minutos não havia mais ninguém em frente a obra. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário