domingo, 21 de julho de 2013

Pião de Trecho --- Capítulo 7: O Trecho






O meses foram passando e as dívidas de Pedro só aumentavam, não conseguia de jeito algum equilibrar os gastos com as receitas. Seu casamento foi se tornando uma bomba, brigavam praticamente todos os dias:
- Que culpa eu tenho se fui demitido. Tu acha que eu queria essa falta de dinheiro? Tu acha que eu gosto de olhá pá cara do gerente nojento do banco, que só fala enrolação e me dá mais juro?
- Eu não saí de casa para viver esse inferno- respondia Carine.
Seu Samuel tentava intervir, mas Pedro não o escutava. Sem dinheiro e falta de habilidade para lidar com a situação o casamento estava por um fio. Ele tinha apenas vinte anos e ela dezenove. No intuito de relaxar ele começou a tomar cachaça todos os dias e sempre que podia jogava uma sinuquinha com Israel. A reaproximação com o primo foi inevitável, adepto dos trabalhos informais, estar com ele era como uma fuga, um convite para se desligar da realidade. Quando Pedro chegava em casa bêbado, uma nova briga explodia com Carine. No dia seguinte ele ia trabalhar amargurado: limpava terrenos, trabalhava de pedreiro, carregava caminhões, colhia laranjas, etc. Ficou com fama de grevista e não conseguia assinar a carteira em outros lugares. Sua luta sempre lhe permitiu que não faltasse comida em casa, viveu um grande estresse, mas de maneira alguma passou fome. A família de Carine começou a falar mal dele:
- Menina, cuidado para não virar homem de farra e te deixar com as duas crianças. Homem quando fica desempregado e começa assim, é só ladeira abaixo.
Pedro estava a ponto de explodir com tanta pressão, tudo ao seu redor ia contra ele, mas o mesmo também não conseguia direcionar as energias para as coisas certas.
Certo dia ele estava jogando sinuca com Israel e um homem se convidou para jogar. Era um homem de seus cinquenta anos e tinha o semblante bem cansado, seu nome era Ulisses. Juntos os três foram tomando cachaça e conversando futilidades. Até que uma hora ele perguntou para Pedro:
- O que faz da vida?
- Trabalhava nas obra, mas agora to desempregado e vivo do que aparece para eu fazer.
- Aqui tem pouca obra, num presta não. Tú tem sangue no olho para viajar e trabalhar fora. Sou da montagem industrial. Amanhã a tarde saio com toda a minha equipe para Cubatão em São Paulo, vai ter uma ampliação lá. To precisando de mais um pião para ir cumigo. Tu tem carteira? Quer vir?
Pedro ficou calado. Então Ulisses completou a proposta:
- Lá com as horas extras dá para tirar dois salários. Bem facinho.
Então Pedro que estava carregado de ódio, cansado e disposto a manter o padrão de vida, respondeu:
- Tô dentro.
- Você tem que tá amanhã cinco horas da tarde de mala arrumada na rodoviária.
Naquele momento Pedro queria que toda a família de Carine soubesse o quanto ele é bom, ele sim sabia conseguir os empregos... iria voltar a pagar as contas, de maneira alguma tinha medo do mundo, conhecia outros homens que viajam e pagavam todas as suas prestações.Como o casamento não ia bem e estava emocionalmente distante dos filhos, o dinheiro estava em primeiro plano. Chegou em casa bêbado naquele dia, por isso deixou para dar a noticia para Carine no dia seguinte. Quando ele acordou, a primeira coisa que ela disse:
- São oito horas já. Trabalha mais não?
- Arrumei foi empregão, vou tirá dois salário. Vou hoje de tarde para São Paulo.
- Mas Pedro, tu tá sendo afobado. Eu posso procurar trabalhar também. Tem muito restaurante aí precisando de menina boa.
- Mulhé minha num trabalha não, fica em casa cuidando dos meus filhos.
- Deixa de ser abestalhado. Tu vai cair nesse mundo, sendo que podemos resolver tudo por aqui.
- Vou me embora hoje as cinco horas da tarde.
Então Carine percebeu que todos os seus argumentos seriam em vão. Ele estava resolvido a viajar, estava tomado por algum ódio que ninguém, nem ele mesmo, conseguia explicar. No fim da tarde ele ficou um pouco reflexivo, nunca na vida tinha visto aquele homem, sequer sabia como era São Paulo... apenas se lembrava de algumas cenas de novelas. Olhava para o filho, para a filha...
As quatro horas em ponto ele estava na rodoviária com Carine e as duas crianças, Tiago chorava sem parar, de algum modo ele sabia que seu papai iria para longe. Gabriela estava apenas com quatro meses. Aos poucos outros trabalhadores foram chegando com suas esposas, eles conversavam sobre o escopo da obra em Cubatão:
- Lá serão duzentas tonelas de tubulação e noventa de estrutura.
- Negativo companheiro, ali serão  trezentas de tubulação e cento e quarenta e cinco de estrutura.
- A Dupond Construtora pegou parte dessa obra também.
- Acho que eles vão entra com o suporte...
Pedro observou de longe aquela conversa, mas pouco sabia do que aquelas pessoas falavam. Encima do horário o ônibus contratado pela empresa chegou, havia uma grande faixa “ Klan Engenharia”. Um rapaz perguntou bem alto:
- Todo mundo aí sabendo do salário e com as carteiras nas mãos?
Todos deram sinal de positivo, Carine fez uma última tentativa:
- Pedro não vá, por favor.
- Tchau, vou vencer lá em São Paulo. Vou voltar com dinheiro, será por pouco tempo.
Quando Pedro estava entrando no ônibus, Tiago que já tinha quase dois anos, pronunciou doces palavras:
- Papai...dimbora não papai...dimbora não papai.
Os olhos de Pedro se encheram de lágrimas, mas ele reprimiu o choro e entrou no ônibus. Estava um pouco cabisbaixo. Então um homem puxou conversa com ele:
- Primeira vez que cai no trecho?
-É.
- Ra Ra Ra, depois você acostuma. 
Dentro do ônibus todos conversavam a respeito de toneladas, firmas, estrutura, Gerentes. Pedro observa a Vila que tinha sido criado, agora ele estava indo para bem longe. Carine ficou apavorada com as duas crianças na rodoviária. O choro de Tiago era estrondoso, Gabriela nada entendia... e para longe Pedro viajava.

Nenhum comentário:

Postar um comentário