O meses foram passando e as dívidas de Pedro só aumentavam,
não conseguia de jeito algum equilibrar os gastos com as receitas. Seu
casamento foi se tornando uma bomba, brigavam praticamente todos os dias:
- Que culpa eu tenho se fui demitido. Tu acha que eu queria
essa falta de dinheiro? Tu acha que eu gosto de olhá pá cara do gerente nojento
do banco, que só fala enrolação e me dá mais juro?
- Eu não saí de casa para viver esse inferno- respondia
Carine.
Seu Samuel tentava intervir, mas Pedro não o escutava. Sem
dinheiro e falta de habilidade para lidar com a situação o casamento estava por
um fio. Ele tinha apenas vinte anos e ela dezenove. No intuito de relaxar ele começou
a tomar cachaça todos os dias e sempre que podia jogava uma sinuquinha com
Israel. A reaproximação com o primo foi inevitável, adepto dos trabalhos
informais, estar com ele era como uma fuga, um convite para se desligar da
realidade. Quando Pedro chegava em casa bêbado, uma nova briga explodia com
Carine. No dia seguinte ele ia trabalhar amargurado: limpava terrenos,
trabalhava de pedreiro, carregava caminhões, colhia laranjas, etc. Ficou com
fama de grevista e não conseguia assinar a carteira em outros lugares. Sua luta
sempre lhe permitiu que não faltasse comida em casa, viveu um grande estresse,
mas de maneira alguma passou fome. A família de Carine começou a falar mal dele:
- Menina, cuidado para não virar homem de farra e te deixar
com as duas crianças. Homem quando fica desempregado e começa assim, é só
ladeira abaixo.
Pedro estava a ponto de explodir com tanta pressão, tudo ao
seu redor ia contra ele, mas o mesmo também não conseguia direcionar as
energias para as coisas certas.
Certo dia ele estava jogando sinuca com Israel e um homem se
convidou para jogar. Era um homem de seus cinquenta anos e tinha o semblante
bem cansado, seu nome era Ulisses. Juntos os três foram tomando cachaça e
conversando futilidades. Até que uma hora ele perguntou para Pedro:
- O que faz da vida?
- Trabalhava nas obra, mas agora to desempregado e vivo do
que aparece para eu fazer.
- Aqui tem pouca obra, num presta não. Tú tem sangue no olho
para viajar e trabalhar fora. Sou da montagem industrial. Amanhã a tarde saio
com toda a minha equipe para Cubatão em São Paulo, vai ter uma ampliação lá. To
precisando de mais um pião para ir cumigo. Tu tem carteira? Quer vir?
Pedro ficou calado. Então Ulisses completou a proposta:
- Lá com as horas extras dá para tirar dois salários. Bem
facinho.
Então Pedro que estava carregado de ódio, cansado e disposto
a manter o padrão de vida, respondeu:
- Tô dentro.
- Você tem que tá amanhã cinco horas da tarde de mala
arrumada na rodoviária.
Naquele momento Pedro queria que toda a família de Carine
soubesse o quanto ele é bom, ele sim sabia conseguir os empregos... iria voltar
a pagar as contas, de maneira alguma tinha medo do mundo, conhecia outros
homens que viajam e pagavam todas as suas prestações.Como o casamento não ia
bem e estava emocionalmente distante dos filhos, o dinheiro estava em primeiro
plano. Chegou em casa bêbado naquele dia, por isso deixou para dar a noticia para
Carine no dia seguinte. Quando ele acordou, a primeira coisa que ela disse:
- São oito horas já. Trabalha mais não?
- Arrumei foi empregão, vou tirá dois salário. Vou hoje de
tarde para São Paulo.
- Mas Pedro, tu tá sendo afobado. Eu posso procurar
trabalhar também. Tem muito restaurante aí precisando de menina boa.
- Mulhé minha num trabalha não, fica em casa cuidando dos
meus filhos.
- Deixa de ser abestalhado. Tu vai cair nesse mundo, sendo
que podemos resolver tudo por aqui.
- Vou me embora hoje as cinco horas da tarde.
Então Carine percebeu que todos os seus argumentos seriam em
vão. Ele estava resolvido a viajar, estava tomado por algum ódio que ninguém,
nem ele mesmo, conseguia explicar. No fim da tarde ele ficou um pouco
reflexivo, nunca na vida tinha visto aquele homem, sequer sabia como era São
Paulo... apenas se lembrava de algumas cenas de novelas. Olhava para o filho,
para a filha...
As quatro horas em ponto ele estava na rodoviária com Carine
e as duas crianças, Tiago chorava sem parar, de algum modo ele sabia que seu
papai iria para longe. Gabriela estava apenas com quatro meses. Aos poucos
outros trabalhadores foram chegando com suas esposas, eles conversavam sobre o
escopo da obra em Cubatão:
- Lá serão duzentas tonelas de tubulação e noventa de
estrutura.
- Negativo companheiro, ali serão trezentas de tubulação e cento e quarenta e
cinco de estrutura.
- A Dupond Construtora pegou parte dessa obra também.
- Acho que eles vão entra com o suporte...
Pedro observou de longe aquela conversa, mas pouco sabia do
que aquelas pessoas falavam. Encima do horário o ônibus contratado pela empresa
chegou, havia uma grande faixa “ Klan Engenharia”. Um rapaz perguntou bem alto:
- Todo mundo aí sabendo do salário e com as carteiras nas
mãos?
Todos deram sinal de positivo, Carine fez uma última
tentativa:
- Pedro não vá, por favor.
- Tchau, vou vencer lá em São Paulo. Vou voltar com
dinheiro, será por pouco tempo.
Quando Pedro estava entrando no ônibus, Tiago que já tinha
quase dois anos, pronunciou doces palavras:
- Papai...dimbora não papai...dimbora não papai.
Os olhos de Pedro se encheram de lágrimas, mas ele reprimiu
o choro e entrou no ônibus. Estava um pouco cabisbaixo. Então um homem puxou
conversa com ele:
- Primeira vez que cai no trecho?
-É.
- Ra Ra Ra, depois você acostuma.
Dentro do ônibus todos conversavam a respeito de toneladas,
firmas, estrutura, Gerentes. Pedro observa a Vila que tinha sido criado, agora
ele estava indo para bem longe. Carine ficou apavorada com as duas crianças na
rodoviária. O choro de Tiago era estrondoso, Gabriela nada entendia... e para
longe Pedro viajava.
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